terça-feira, 6 de abril de 2010

HÁ ALGUMA COISA NOVA DEBAIXO DO SOL

O presidente da República é homem de sete instrumentos, ou de 70, quem sabe. Ele canta, assobia, dança, toca piano, sopra flauta, maneja o violino, discursa sobre qualquer tema, tudo ao mesmo tempo! Não é qualquer artista que pode ostentar tamanhas habilidades. Por possuí-las, tuteia Sarkozy e Obama, e se não dançou uma quadrilha em Buckingham ou no reino da Suécia não foi por acanhamento ou imperícia. Graças a tamanhos atributos, chamou a atenção de gregos e troianos, tanto mais quando não frequentou escola de belas-artes nem jardins peripatéticos. Pois bem, se não mentem as pesquisas de opinião, sua popularidade atinge os píncaros da incredibilidade. No entanto, ao aproximar-se do termo de seu segundo mandato, o indivíduo que superara montanhas e despenhadeiros, em meio à cerração, entrou a revelar sinais de outra personalidade. Primeiro foi em Havana, emudecido, depois falante, a dizer o que nunca falara, acerca das excelências da “Justiça cubana”, ao mesmo tempo em que se referia com desdém aos que, por desespero, recorrem à greve de fome. Embora fossem antigas as simpatias pelo comandante vitalício, hoje convertido no mais idoso ditador do mundo ocidental, prestou tributo ao regime de Fidel. Foi além. À maneira do coronel Chávez, para fazer praça contra os Estados Unidos, virou confrade do dirigente do Irã, em cujos domínios não prima o respeito aos direitos humanos, e vem despertando preocupações internacionais dada sua antiga e constante busca do domínio do complexo nuclear. Outros ditadores afrontaram a Sociedade das Nações e arrostaram a comunidade internacional, afirmando que tratados não passavam de farrapos de papel e a humanidade purgou as desgraças da maior guerra mundial.

Tudo isso, reduzido a sua expressão mais simples, já era muito. Mas outro dado foi forjado pelo honrado presidente da República. O litígio gratuitamente por ele aberto contra o jornalismo é da maior gravidade, não se pejou de atribuir “má-fé” a profissionais da área, que, por exemplo, não aplaudem o “mensalão”, essa conduta não indica bom sinal, pois não me recordo de presidente que tenha desfrutado de publicidade semelhante como ele e por parte de todos os meios de comunicação. Aliás, recordo-me de que ele próprio reconheceu que, sem a imprensa livre, não teria chegado à presidência. De resto, desde os tempos de sindicalista, antes, portanto, de tornar-se dirigente político e fundador de partido, ele foi generosamente aquinhoado pelas luzes da mídia. Por uma estranha coincidência, essa perigosa postura sucede no exato momento em que o seu hermano coronel Chávez comete os maiores desatinos contra os meios de comunicação em seu país, que, por sinal, começa a colher os frutos de uma política desvairada. E, porque figura de relevo naquele país no mundo da publicidade, relatou, como jornalista, a violência que lá vem sendo praticada, à Sociedade Interamericana de Imprensa, foi preso e contra ele aberto processo criminal por ordem do caudilho da Venezuela, exatamente o mesmo que o presidente brasileiro tem insistido obsessivamente por seu ingresso no Mercosul. Meras coincidências?

Isto sem esquecer que o seu PNDH, Plano Nacional de Direitos Humanos, é nítida contrafação bolivariana à Constituição brasileira.

Os fatos são notórios, a mostrar que, contrariando Salomão, há alguma coisa nova debaixo do sol.

Paulo Brossard
Jurista, Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal
Publicado na edição de 05/04/2010 do jornal Zero Hora

Programa de Direitos Humanos é "desumano", afirma jurista

Quinta-feira, 28 de janeiro de 2010, 10h25
http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=275347

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) contém uma série de diretrizes inconstitucionais que pode desestabilizar o equilíbrio de Poderes no Brasil.

O alerta é lançado pelo jurista Ives Gandra Martins, doutor em Direito com reconhecimento internacional e mais de 40 livros publicados e traduzidos em mais de dez línguas em 17 países. "É um programa de direitos desumanos, o que menos tem é dignidade humana", salienta.

Entre as propostas polêmicas contidas no Programa, ações que pretendem descriminalizar o aborto, reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo, garantir o direito de adoção por casais homoafetivos, impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União, desestabilizar o direito à propriedade privada (com a criação de câmaras de conciliação dos conflitos, sejam agrários ou urbanos), bem como a regulamentação profissional da prostituição.

Nesta entrevista exclusiva ao noticias.cancaonova.com, o jurista explica os pontos cruciais do PNDH-3 e aponta a inconstitucionalidade das propostas.

noticias.cancaonova.com: Como o senhor avalia o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)?

Ives Gandra Martins: Na minha opinião, o decreto que institui o PNDH-3 é inteiramente inconstitucional. Ele é editado pelo Poder Executivo, mas atinge aspetos que dizem respeito às prerrogativas próprias do Poder Legislativo, contra o artigo 49 da Constituição Federal (CF): "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".

O pior é que tudo isso é uma escarrada repetição da Constituição Venezuelana. Em outras palavras, é o regime marxista que temos na Venezuela que nossos aprendizes de ditadores, aprendizes de revolução chavóide [Hugo Chávez, presidente da Venezuela] estão pretendendo colocar no Brasil. O que se pretende é dar um novo status jurídico ao Brasil, a caminho da ditadura, em que o Poder Executivo é tudo e os outros poderes são nada.

É um programa de direitos desumanos, o que menos tem é dignidade humana, através do qual só pode falar nesse país quem for materialista, ateu, não acreditar em Deus e se pautar pela cartilha desses cidadãos.

noticias.cancaonova.com: Mas um dos principais argumentos do governo é exatamente o pluralismo do plano, que incorpora resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (realizada em Brasília entre 15 e 18 de dezembro de 2008), bem como propostas aprovadas em mais de 50 conferências nacionais temáticas promovidas desde 2003. Em sua nota de esclarecimento, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Sedh) explica que mais de 14 mil pessoas estiveram envolvidas diretamente na elaboração do programa, além de consulta pública.

Ives Gandra: Uma sociedade de 190 milhões de habitantes não é representada por 14 mil amigos do rei. Por outro lado, quando eles colocam esses números, evidentemente nós sabemos que essas ONG's e outras organizações são quase todas montadas, monitoradas, organizadas por eles mesmos.

E eu não acredito que haja um número em que todos tenham opinado com consciência. Eu posso formar um grupo maior e apenas uns poucos decidirem por todos, como em uma reunião de uma sociedade em que ninguém vai mas a diretoria publica as decisões em nome de todos. Tenho minhas sérias dúvidas se essas 14 mil pessoas estiveram presentes para dizer que eram favoráveis a essa tomada de posição.

Na verdade, eu lembraria o que disse Agripino Grieco quando lhe deram um livro de um mau poeta. Ele leu e disse: "Eu aconselho a queimar a edição e, em caso de reincidência, a queimar o autor". Eu não sou tão cáustico à reincidência de queimar o autor, mas que vale a pena queimar a edição desse programa, vale.

noticias.cancaonova.com: Esse Programa deveria ser elaborado com base no modelo da democracia deliberativa, em que o peso dos argumentos de grupos distintos é o que importa, e não sua representatividade?

Ives Gandra: Um plano de Direitos Humanos tem que ser elaborado pelos representantes do povo. Não existe, a meu ver, uma democracia deliberativa que possa decidir independentemente dos verdadeiros representantes do povo.

Eu só acredito em democracia em que haja equilíbrio de poderes. Toda democracia que elimina o Legislativo, elimina o Judiciário, mesmo com consultas populares, é uma ditadura, é permitir que o povo seja manipulado permanentemente por plebiscitos e referendos em que, na verdade, não se discute nada com profundidade. Eu pergunto sim e não para o povo, mas não discuto todos os meandros que só podem ser discutidos efetivamente pelo Poder Legislativo. Então, isso significa dizer que faço um plano sobre determinados direitos e excluo aqueles que estão vinculados a esses direitos.


noticias.cancaonova.com: O senhor poderia citar exemplos da inconstitucionalidade do decreto?

Ives Gandra: O decreto em si também fere por inteiro a Constituição. Direitos que eles consideram humanos são tratados de modo distinto na Constituição Federal (CF).

Por exemplo, a CF garante que é inviolável o direito à vida do ser humano. Logo, o aborto, o homicídio uterino, a morte de nascituros entra em choque com o que garante o Artigo 2º do Código Civil: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Com o PNDH-3, o homicídio uterino como "direito humano" fica consagrado.

A prostituição é uma chaga para a sociedade. Não se pode dizer que, como direito humano, o governo federal valorizará a prostituição, o lenocínio, o meretrício. Deve-se trabalhar para que essas mulheres encontrem uma profissão digna. Um decreto que valorize isso é evidentemente algo que afeta a dignidade humana, que está na essência dos direitos humanos.

O cidadão tem uma casa, é invadida por alguém, a partir desse momento, o invasor tem mais direito que o proprietário, pois se ele pretender uma reintegração de posse, o Poder Judiciário deixa de estar habilitado para fazê-lo. Uma comissão, formada pelo invasor, decide se o Poder Judiciário poderá, ou não, executar a reintegração. Ora, a CF declara, no artigo 5º: "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

No PNDH-3, por exemplo, defende-se que sindicatos e centrais de trabalhadores terão mais força que os parlamentares na definição de programas, fazendo com que plebiscitos e referendos, como acontece na Constituição Venezuelana, tenham muito mais importância que a própria representação do Parlamento ou Poder Judiciário, que é aquele que faz respeitar a lei. Isso faz com que se adote aquele modelo que prevalece hoje na Venezuela, isto é, Poder Executivo e povo consultado e manipulado por esse Poder, sendo os outros Poderes secundários, sem nenhum valor.

Com relação à família, a CF, no artigo 226, diz: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Fica claro que ela deve ser constituída por um homem e uma mulher, bem como o homem e a mulher e seus decendentes em caso de separação e viuvez. Mesmo assim, a família sempre tem origem na união entre o homem e a mulher.

Quando se busca dar o mesmo status de família para casais homoafetivos, pode-se dizer que a CF nada vale, pois se quer mudar uma cláusula pétrea, dizendo que é família a união entre dois homens ou duas mulheres que não podem gerar filhos. Se a família tem o sentido de garantir perpetuação da espécie, criação da prole, educação, formação da sociedade, casais de homens e mulheres não tem, até por questões biológicas, condições de gerar filhos. Isso fere, portanto, a meu ver, uma cláusula pétrea.

noticias.cancaonova.com: O que caracteriza uma cláusula pétrea?

Ives Gandra: Na cláusula pétrea, os direitos individuais não podem ser modificados. Se o artigo 226 coloca a família como base da sociedade, vale dizer que toda a CF é formada para a sociedade, que só existe com base na família. Se eu não posso modificar dispositivos como o direito à privacidade, com muito mais razão aquilo que é a própria essência da sociedade também não pode ser modificado. Qualquer mudança nesse sentido é inconstitucional, pois cláusula pétrea nem uma emenda constitucional pode alterar.

noticias.cancaonova.com: Em nota emitida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, afirma-se que: "Ao apoiar projeto de lei que dispõe sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e ao prever ações voltadas à garantia do direito de adoção por casais homoafetivos, o PNDH-3 tem como premissa o artigo 5º da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...). Considera ainda as resoluções da 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada em junho de 2008, marco histórico no tema. O programa também está em consonância com tendência recente da própria jurisprudência, que vem reconhecendo o direito de adoção por casais homoparentais".

Ives Gandra: Eles mesmos dizem que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma opção sexual. A opção sexual só pode acontecer depois de se ter, enfim, crescido e adotado essa opção. A opção natural é de um homem gostar de uma mulher. Essa opção natural, biológica, aquela que permite a geração de filhos, é da união entre um homem e uma mulher, como a CF previu.

Ora, se é uma opção, como se permitir a adoção de uma criança, que primeiro teria que ter sua opção biológica, se ela já começar a ser trabalhada por um casal que já fez sua opção sexual e preparará a criança no sentido de ter a mesma opção, contra a natural?

É evidente que para o cidadão que queira viver com outro cidadão, existem mecanismos na lei, de contratos, de direitos obrigacionais, mas não como uma família. O que se está pretendendo é transformar a família, contra a natureza biológica e contra aquilo que a própria CF diz e não pode ser mudado.

Logo, isso de dizer que todos são iguais, não podem ser iguais contra a CF, que elenca as hipóteses em que ela, através de cláusulas pétreas, diferencia aquelas desigualdades que fazem com que o princípio da igualdade seja observado. Uma das formas, efetivamente, de preservar o princípio da igualdade é permitir que ele se realize no limite das desigualdades das pessoas.

noticias.cancaonova.com: Uma das ações do PNDH-3 prevê mecanismos que impeçam a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. A Sedh explica: "O PNDH-3 tem como diretriz a garantia da igualdade na diversidade, com respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal".


Ives Gandra: No momento em que o próprio decreto prevê que símbolos religiosos devem ser afastados, em um país que 97% das pessoas acreditam em Deus [citando dados de uma pesquisa do DataFolha], é como se dissessem: "Há uma ditadura de 3% da sociedade e vamos impor aos outros a obrigação de não ter nas repartições públicas símbolos religiosos".

É como quem dissesse: "Estado laico é Estado ateu, e somente quem não acredita em Deus e não tem religião pode opinar. Vocês podem, escondidos, sem mostrar para os outros, acreditar em Deus, mas não queremos ter símbolos que representam valores". Afinal, é evidente: quem quer valorizar a prostituição não pode aceitar valores e símbolos religiosos que objetivam a união e a fraternidade entre os povos.

noticias.cancaonova.com: Existe algum dispositivo legal que garanta os crucifixos nestes locais?

Ives Gandra: Não existe nenhum dispositivo legal que determine, mas também a criação de um dispositivo que elimine seria, a meu ver, contra aquilo que caracteriza a tradição do país. Considero que a CF percebe a religião como depositária de valores, de valores superiores do ser humano, de valores que elevam a dignidade da pessoa humana, e não a desvalorização da pessoa humana.

noticias.cancaonova.com: Outros segmentos religiosos também poderiam evocar a tradição como justificativa para expor seus símbolos em locais públicos?

Ives Gandra: Acredito que não, pois são valores que entraram posteriormente. Nos tribunais, sempre foi tradição ter o crucifixo, que tem um aspecto inclusive emblemático, pois representa o símbolo da justiça e, ao mesmo tempo, leva todo o magistrado a pensar permanentemente naquele que foi o julgamento mais injusto da história. O símbolo serve como ponto de reflexão e transcende a própria religião. Isso me parece que, independentemente das religiões, deveria ser sempre mantido.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que cabe a cada tribunal decidir se deseja ou não manter o crucifixo. Neste particular, se o magistrado for um ateu e não quiser o crucifixo, ele tem o direito de não colocar. Isso vale para toda a magistratura do Brasil e me parece adequado. Agora, impor que mesmo os que queiram ter não possam ter é, evidentemente, fazer a ditadura do agnosticismo, ateia, daqueles que não acreditam.

noticias.cancaonova.com: Então, o que se tem é um entendimento errado do que seja Estado Laico? Como viver, de forma sadia, a dimensão pública da religião?

Ives Gandra: A Introdução da CF expressa: "Nós, representantes do povo brasileiro, [...] promulgamos, sob a proteção de Deus". Que Deus é esse? Toda a CF foi promulgada sob a proteção de Deus.

Na verdade, o que eu vejo é que todos tem o direito de não acreditar em Deus. Se todos tem essa liberdade, por que tentar impor, dizendo que Estado laico é aquele em que não se pode ter nenhuma demonstração religiosa? Eles confundem Estado laico com Estado ateu. No laico, as deliberações não são tomadas à luz da religião, todos tem liberdade e os valores e tradições são conservados. Já no ateu, o que se busca é substituir símbolos religiosos pela visão que não quer símbolo nenhum.

noticias.cancaonova.com: Qual a sua opinião sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade, que investigaria a responsabilidade de atos criminosos praticados durante o período da ditadura militar?

Ives Gandra: Nós estamos vivendo um momento em que o Brasil pode se projetar com paz para o futuro, encontrar caminhos novos, discutir em uma eleição programas futuros de crescimento. Não é preciso voltar à década de 60, à realimentação do ódio. Nós temos tortura hoje, nos diversos estados, na polícia, e é isso que tem que ser procurado. Temos que por uma pedra no passado e tentar equacionar o Brasil de hoje.

noticias.cancaonova.com: O Governo Federal poderia ter apresentado o Plano dessa forma?

Ives Gandra: Tudo isso, de rigor, já ganhou um formato jurídico que não deveria ter; deveria ser, no máximo, uma proposição, que passaria ou não no congresso. Da forma como foi feito, eu acredito que vai haver discussões preliminares no Congresso, quando projetos forem enviados.
O Decreto, embora tenha o contorno de carta de intenções, já tem o formato de comando jurídico.

Enfim, é um plano com viés ideológico bem claro, de pessoas que se realimentam do ódio passado, mas que, felizmente, por todas as suas deficiências, não tem chance de passar no Congresso. É nisso que eu acredito.

Editorial do jornal O GLOBO

Fonte inspiradora (Editorial)

Ao participar na semana passada de debate no Rio, o ministro Paulo Vannuchi negou querer regulamentar os meios de comunicação por meio da terceira versão do programa de defesa dos direitos humanos.
Registre-se o avanço na posição do ministro. Pelo menos, Vannuchi, responsável direto por um virtual plano de governo sob o nome fantasia de “Programa Nacional de Direitos Humanos”, do qual constam propostas flagrantemente inconstitucionais, parece ter entendido que entrou em terreno perigoso para a democracia.
Ou, se não entendeu, fez um recuo tático na esperança de tentar algum apoio no Congresso. O ministro e quem mais, no governo, apoia o tal programa transitam em campo minado ao propor instrumentos de vigilância dos meios de comunicação, e ao defender a relativização do direito de propriedade no tratamento de invasões pela Justiça, além de outros pontos também equivocados.
O ministro dos Direitos Humanos propõe um debate com a mídia sobre formas de “controle social” as quais, sem restringir a liberdade de expressão, extirpe da imprensa e da produção audiovisual supostas demonstrações de homofobia e racismo.
Mas o debate proposto pelo ministro na verdade já ocorre, com os meios de comunicação expondo por diversas vezes a posição contrária a qualquer tipo de limitação estatal sobre a circulação de informações e na produção artística, fora aquelas já estabelecidas na Constituição.
Como o respeito aos direitos individuais, entre eles a privacidade, sendo as divergências mediadas pelo Poder Judiciário.
Em editoriais e declarações de entidades do setor, a proposta de classificação de veículos de imprensa para efeito de avaliação de maior ou menor respeito aos “direitos humanos” tem sido tachada de abusiva, por representar uma tentativa de limitar, por meio de coação, a liberdade de expressão garantida pela Carta.
A própria folha corrida da esquerda autoritária atuante no governo Lula justifica preocupações, como demonstram tentativas anteriores de interferência nos meios de comunicação (Ancinav e Conselho Federal de Jornalismo, ainda no primeiro mandato do presidente Lula).
Confrontar idéias e propostas ajuda no fortalecimento da democracia. Mas é necessário cuidado com plataformas de viés autoritário apresentadas em nome do “controle social”, chavão usado como biombo para subordinar cada vez mais a sociedade a agentes do Estado.
Não é coincidência que, neste momento, o caudilho Hugo Chávez queira “regulamentar” a internet. A matriz ideológica que inspira essas “regulações” na Venezuela e no Brasil é a mesma.

www.noblat.com.br - – 23/3/2010

A CARTILHA RADICAL

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) suscita graves preocupações não apenas pela questão do aborto, do casamento de homossexuais, das adoções de crianças por casais do mesmo sexo, pela proibição de símbolos religiosos nos lugares públicos, pela transformação do ensino religioso em história das religiões, pelo controle da imprensa, a lei da anistia, etc, mas, sobretudo, por uma visão reduzida da pessoa humana. A questão em jogo é principalmente antropológica: que tipo de pessoa e de sociedade é proposto para o nosso país.
No programa se apresenta uma antropologia reduzida que sufoca o horizonte da vida humana limitando-o ao puro campo social. Dimensões essenciais são negadas ou ignoradas: como a dignidade transcendente da pessoa humana e a sua liberdade; o valor da vida, da família e o significado pleno da educação e da convivência. A pessoa e os grupos sociais são vistos como uma engrenagem do estado e totalmente dependentes de sua ideologia.
Os aspectos positivos, que também existem, e que constituíram as grandes batalhas da CNBB ao longo destes anos, são englobados dentro de um sistema ideológico habilmente plantado por uma minoria que não respeita a visão da vida da grande maioria do povo brasileiro. Por isso, é um grande alerta o pronunciamento da CNBB, da sua comissão Vida e Família, de muitos e dos mais diferentes setores da sociedade que mostraram toda sua preocupação.
Nesta 3ª edição do PNDH, estamos diante de uma cartilha de estilo radical-socialista, que esta sendo implantada na Venezuela, no Equador e na Bolívia, e que tem em Cuba o seu ponto de referência. Trata-se de um projeto reduzido de humanidade destinado a mudar profundamente a nossa sociedade.
Vida, família, educação, liberdade de consciência, de religião e de culto não podem ser definidos pelo poder do Estado ou de uma minoria. O Estado reconhece e estrutura estes valores que dizem respeito à dignidade última da pessoa humana, que é relação com o infinito e que nunca pode ser usada como meio, mas é um fim em si mesma. A fonte dos direitos humanos é a pessoa e não o Estado e os poderes públicos.
O programa do Governo é um claro ato de autoritarismo que enquadra os direitos humanos num projeto ideológico, intolerante, que fez retroceder o país aos tempos de ditadura. Somos todos interpelados diante deste projeto que tenta desmontar a estrutura da sociedade destruindo o valor da pessoa, da vida, da família e das livres agregações sociais.
D. FILIPPO SANTORO é bispo de Petrópolis.

Artigo Publicado no jornal O Globo, seção Opinião, pág. 07, de 23/03/2010

A TRADIÇÃO CONSELHISTA

Denis Lerrer Rosenfield - 03 Fevereiro 2010

Cabe ressaltar que sociedade civil vem a significar, no PNDH-3, a participação dos movimentos sociais. O conceito de sociedade civil é tornado igual ao de "movimentos sociais". Aqui já se faz presente a artimanha ideológica.
O governo tem suscitado uma série de conferências, seminários e fóruns, seja direta ou indiretamente. Se o faz por iniciativa própria, imprime a sua marca. Se o faz por interposta pessoa, atribui essa iniciativa aos movimentos sociais -- a vantagem consiste em fazer passar uma proposta sem se responsabilizar imediatamente por ela. Se ela pegar junto à opinião pública, ele a assumirá como sua, num avanço considerado inédito na História brasileira. Se não pegar, haverá sempre a alternativa de dizer que a culpa foi de movimentos sociais não afinados com o governo. Em todo caso, dirá sempre que o seu procedimento foi "democrático", mesmo que as propostas apresentadas possam ser antidemocráticas ou liberticidas.
O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) está repleto de expressões como "sociedade civil", "democracia participativa", "conselhos de direitos humanos", "conselhos ambientais", "conselhos populares", como se dessa maneira estivesse assegurado o seu caráter "democrático" e "participativo". O engano pode ser, aqui, de monta, pois a aparência é uma e a sua essência é outra. O autoritarismo transparece no uso que é feito desses conceitos. Os títulos constantes do documento, politicamente corretos, são, por exemplo, os seguintes: "Interação democrática entre Estado e Sociedade Civil", "Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa".

Historicamente, o conceito de sociedade civil significava a participação dos cidadãos na vida das cidades-Estado, da polis, em busca da igualdade civil e da igualdade de oportunidades. Eles propugnavam pela liberdade econômica, pela liberdade política, pela liberdade de expressão e, progressivamente, pela liberdade religiosa. A liberdade de crenças no sentido genérico da expressão se afirmava como essencial. Para eles, igualmente, os tributos cobrados pelo rei deveriam ser reduzidos em proveito de sua própria atividade. Aliás, consideravam-nos ingerências arbitrárias em seus assuntos particulares. Clamavam pela universalidade e imparcialidade da lei.

Percebe-se o longo caminho trilhado por esse trabalho de resignificação operado por essa esquerda. Sociedade civil vem a significar a participação de movimentos sociais que operam como verdadeiras organizações políticas, de caráter anticapitalista, voltadas para o cerceamento das liberdades econômicas, para a negação da universalidade e imparcialidade da lei, para a limitação da liberdade de imprensa e de expressão, pela afirmação de sua crença como a única verdadeira. Na verdade, o seu objetivo consiste no cerceamento progressivo das liberdades civis e políticas, mediante um aparelhamento sindical e partidário das empresas e do Estado, também denominado "controle social" de suas atividades.

É nesse contexto que se inserem suas múltiplas alusões aos conselhos dos mais diferentes tipos, "conselhos de direitos humanos", "conselhos populares", "conselhos ambientais", entre outros. Historicamente, os conselhos são os herdeiros dos soviets ou do que o marxismo do século 20 veio a considerar a tradição conselhista. Originariamente, significavam -- ou procuravam aparecer como -- organizações autônomas de trabalhadores nas fábricas em sua luta contra a "burguesia" e contra o "capital". Do ponto de vista de sua apresentação, diziam lutar por melhores condições de trabalho, salário e saúde. Esse tipo de demanda, aliás, foi progressivamente incorporado pela própria legislação capitalista, sendo hoje muito melhor do que qualquer legislação socialista.

A questão, porém, é que se tratava de mera aparência, pois a sua finalidade maior era criar condições para uma sociedade socialista, comunista, também dita "ditadura do proletariado". Em sua essência, eram e se tornaram cada vez mais instrumentos dos partidos comunistas em seus mais diferentes matizes, começando com o Partido Bolchevique e se prolongando, entre outros, no Partido Comunista de Fidel Castro. Hugo Chávez está, agora, criando um partido unificado com o mesmo perfil, sob a sua batuta totalitária.

O Fórum Social segue o mesmo caminho, só que se apresentando como resultado autônomo dos movimentos sociais e de ONGs. Observe-se que, muitas vezes, as estrelas dos eventos são as mesmas, com a utilização de uma mesma linguagem política. Conferências, como a tida sobre os meios de comunicação, trilham a mesma agenda, exibindo-se como o resultado de um amplo debate da "sociedade civil", com a "participação dos movimentos sociais". A próxima, sobre a cultura, procura também apresentar propostas antidemocráticas em nome mesmo da "participação democrática".

Tomemos como exemplo a proposta, presente em todos os eventos citados, contra o "monopólio dos meios de comunicação". O que querem dizer com isso? Estão descrevendo uma realidade? Evidentemente que não. As grandes redes de televisão mostram precisamente o contrário. A competição entre a Globo, a Band, a Record, o SBT, a RedeTV, a Rede Brasil e os inúmeros canais culturais e educacionais regionais é acirrada. Temos empresas privadas e públicas, católicas e evangélicas, num claro espectro não monopolista. Temos ainda a transmissão via cabo, que potencializa enormemente essa pluralidade. No entanto, os pseudopromotores da democracia buscam o quê? Controlar eles mesmos os meios de comunicação para que suas propostas autoritárias e totalitárias consigam se impor. Costumam, aliás, elogiar regimes comunistas e socialistas como os de Cuba, Venezuela e Bolívia, apresentados como modelos. Todos têm em comum a mesma aversão à liberdade de imprensa, da mídia e do pensamento em geral.

Texto reacende polêmica sobre direitos humanos

Texto reacende polêmica sobre direitos humanos

Folha de São Paulo , 16 de fev 2010

O incêndio que o governo federal se viu obrigado a apagar por conta das polêmicas em torno da aprovação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos será ressuscitado pelo PT, em seu 4º Congresso Nacional.
Uma resolução apresentada por 15 petistas, entre eles o ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG), pede que o partido dê "apoio incondicional" ao plano aprovado no governo do presidente Lula.
Os petistas dizem que os direitos humanos devem ser protegidos e praticados por todos, independentemente de partidos.
O tema também é tratado no documento "Diretrizes para o Programa de Governo Dilma Rousseff 2010". Para cúpula do PT, caberá a Dilma, se eleita, promover "a abertura e a implementação da comissão da verdade, para esclarecimento público dos casos de torturas, assassinatos e desaparecimentos políticos no Brasil".
As duas resoluções serão colocadas em votação no congresso, assim como outros textos sobre alianças e construção partidária. As diretrizes do programa de governo são sugestões que o PT colocará discutirá com os outros partidos que integrarem a aliança de Dilma e que poderão ser ou não ser incorporadas pela pré-candidata.

segunda-feira, 22 de março de 2010

DIREITOS HUMANOS LÁ E CÁ

Comentando a quarta visita do presidente Luiz Inácio ao veterano ditador cubano, notei o desvelo do presidente em homenageá-lo a contrastar com o silêncio sepulcral diante da mais antiga ditadura do mundo ocidental, tanto mais chocante quando a paparicagem coincidia com a morte do preso político Orlando Zapata ao cabo de 85 dias de greve de fome. O fato repercutiria no mundo e o presidente brasileiro permanecia mudo, limitando-se por fim a repetir o que dissera o vice Raúl Castro, que a morte do dissidente “era lamentável”. A tibieza do presidente causou decepção, reprovação, estupefação ou que outro nome possa ter. Exatamente pelos tristes efeitos, particularmente em países onde o presidente itinerante vinha sendo alcandorado, levou-o às falas, mas para dizer que “temos de respeitar a determinação da justiça e do governo cubano, de prender em função da lei de Cuba”. A emenda foi pior que o soneto, pois meio mundo sabe, e o presidente mais do que ninguém, que não pode haver justiça num país encarcerado, onde a “suspeita” legitima a prisão, onde a divergência com a estrutura montada pela ditadura cinquentenária é delito, onde só existe um partido e a liberdade de imprensa é nenhuma. Na URSS de Stalin, na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Espanha de Franco, também havia prisões e condenações segundo as leis vigentes. Ele não se lembra da denúncia de Nikita Krushchev perante o 20° Congresso do Partido Comunista acerca dos crimes de Stalin, nem das leis raciais da culta germânica ou do “garrote vil” ainda aplicado nos dias finais do franquismo?

Mas o honrado presidente da República foi além em sua facúndia, “imaginem se todos os bandidos presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem libertação”. Foi um desastre. Ele não sabe que no Brasil não há preso político? Equiparar um preso político em greve de fome na ilha de Fidel com um homicida, traficante, estelionatário, estuprador, assaltante, et caterva, que esteja a cumprir pena em São Paulo ou outro lugar, é uma licença que transcende todos os limites do senso comum; como era de esperar o efeito foi deplorável.

O fato das prisões políticas, que contou com a complacência do autor do Decreto 7.037, repercutiu no mundo. Entidades respeitáveis não usaram meias palavras para estigmatizar a crueldade da pena por motivos ideológicos nesta altura do século 21. Por todos, e para não alongar-me, menciono a manifestação do Parlamento Europeu, numa votação arrasadora, mais de 500 contra 30 e 15 abstenções. Mas não foi apenas no Exterior que a brutalidade da ditadura cubana repercutiu. O movimento das “Damas de Branco”, esposas e mães de presos, saiu às ruas e sua manifestação pacífica foi dissolvida pela força.

Contudo, a leniência do chefe do governo brasileiro continuou impávida, em prejuízo do bom nome do país em públicas manifestações e em mais de um Estado.

Esse insigne destempero pode iluminar um recanto, para mim, ainda obscuro. Parecia-me pouco inteligível o PNDH – Programa Nacional dos Direitos Humanos, cujo conteúdo desmente o rótulo. É a anti-Constituição. Agora, as declarações do presidente no tocante a Cuba, cada vez mais chocantes, parecem indicar parentesco dele com a “Justiça cubana”. Mas saliento que o presidente tem dito ser intocável o seu PNDH, que ele assinou sem ler, como confessou. Intocável, salvo no tocante à imprudente provocação às corporações militares, e agora, parece, também no que concerne à Igreja. Et pour cause.

Paulo Brossard
Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal

Artigo publicado em Zero Hora
edição de 22/03/2010