terça-feira, 6 de abril de 2010

HÁ ALGUMA COISA NOVA DEBAIXO DO SOL

O presidente da República é homem de sete instrumentos, ou de 70, quem sabe. Ele canta, assobia, dança, toca piano, sopra flauta, maneja o violino, discursa sobre qualquer tema, tudo ao mesmo tempo! Não é qualquer artista que pode ostentar tamanhas habilidades. Por possuí-las, tuteia Sarkozy e Obama, e se não dançou uma quadrilha em Buckingham ou no reino da Suécia não foi por acanhamento ou imperícia. Graças a tamanhos atributos, chamou a atenção de gregos e troianos, tanto mais quando não frequentou escola de belas-artes nem jardins peripatéticos. Pois bem, se não mentem as pesquisas de opinião, sua popularidade atinge os píncaros da incredibilidade. No entanto, ao aproximar-se do termo de seu segundo mandato, o indivíduo que superara montanhas e despenhadeiros, em meio à cerração, entrou a revelar sinais de outra personalidade. Primeiro foi em Havana, emudecido, depois falante, a dizer o que nunca falara, acerca das excelências da “Justiça cubana”, ao mesmo tempo em que se referia com desdém aos que, por desespero, recorrem à greve de fome. Embora fossem antigas as simpatias pelo comandante vitalício, hoje convertido no mais idoso ditador do mundo ocidental, prestou tributo ao regime de Fidel. Foi além. À maneira do coronel Chávez, para fazer praça contra os Estados Unidos, virou confrade do dirigente do Irã, em cujos domínios não prima o respeito aos direitos humanos, e vem despertando preocupações internacionais dada sua antiga e constante busca do domínio do complexo nuclear. Outros ditadores afrontaram a Sociedade das Nações e arrostaram a comunidade internacional, afirmando que tratados não passavam de farrapos de papel e a humanidade purgou as desgraças da maior guerra mundial.

Tudo isso, reduzido a sua expressão mais simples, já era muito. Mas outro dado foi forjado pelo honrado presidente da República. O litígio gratuitamente por ele aberto contra o jornalismo é da maior gravidade, não se pejou de atribuir “má-fé” a profissionais da área, que, por exemplo, não aplaudem o “mensalão”, essa conduta não indica bom sinal, pois não me recordo de presidente que tenha desfrutado de publicidade semelhante como ele e por parte de todos os meios de comunicação. Aliás, recordo-me de que ele próprio reconheceu que, sem a imprensa livre, não teria chegado à presidência. De resto, desde os tempos de sindicalista, antes, portanto, de tornar-se dirigente político e fundador de partido, ele foi generosamente aquinhoado pelas luzes da mídia. Por uma estranha coincidência, essa perigosa postura sucede no exato momento em que o seu hermano coronel Chávez comete os maiores desatinos contra os meios de comunicação em seu país, que, por sinal, começa a colher os frutos de uma política desvairada. E, porque figura de relevo naquele país no mundo da publicidade, relatou, como jornalista, a violência que lá vem sendo praticada, à Sociedade Interamericana de Imprensa, foi preso e contra ele aberto processo criminal por ordem do caudilho da Venezuela, exatamente o mesmo que o presidente brasileiro tem insistido obsessivamente por seu ingresso no Mercosul. Meras coincidências?

Isto sem esquecer que o seu PNDH, Plano Nacional de Direitos Humanos, é nítida contrafação bolivariana à Constituição brasileira.

Os fatos são notórios, a mostrar que, contrariando Salomão, há alguma coisa nova debaixo do sol.

Paulo Brossard
Jurista, Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal
Publicado na edição de 05/04/2010 do jornal Zero Hora

Programa de Direitos Humanos é "desumano", afirma jurista

Quinta-feira, 28 de janeiro de 2010, 10h25
http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=275347

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) contém uma série de diretrizes inconstitucionais que pode desestabilizar o equilíbrio de Poderes no Brasil.

O alerta é lançado pelo jurista Ives Gandra Martins, doutor em Direito com reconhecimento internacional e mais de 40 livros publicados e traduzidos em mais de dez línguas em 17 países. "É um programa de direitos desumanos, o que menos tem é dignidade humana", salienta.

Entre as propostas polêmicas contidas no Programa, ações que pretendem descriminalizar o aborto, reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo, garantir o direito de adoção por casais homoafetivos, impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União, desestabilizar o direito à propriedade privada (com a criação de câmaras de conciliação dos conflitos, sejam agrários ou urbanos), bem como a regulamentação profissional da prostituição.

Nesta entrevista exclusiva ao noticias.cancaonova.com, o jurista explica os pontos cruciais do PNDH-3 e aponta a inconstitucionalidade das propostas.

noticias.cancaonova.com: Como o senhor avalia o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)?

Ives Gandra Martins: Na minha opinião, o decreto que institui o PNDH-3 é inteiramente inconstitucional. Ele é editado pelo Poder Executivo, mas atinge aspetos que dizem respeito às prerrogativas próprias do Poder Legislativo, contra o artigo 49 da Constituição Federal (CF): "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".

O pior é que tudo isso é uma escarrada repetição da Constituição Venezuelana. Em outras palavras, é o regime marxista que temos na Venezuela que nossos aprendizes de ditadores, aprendizes de revolução chavóide [Hugo Chávez, presidente da Venezuela] estão pretendendo colocar no Brasil. O que se pretende é dar um novo status jurídico ao Brasil, a caminho da ditadura, em que o Poder Executivo é tudo e os outros poderes são nada.

É um programa de direitos desumanos, o que menos tem é dignidade humana, através do qual só pode falar nesse país quem for materialista, ateu, não acreditar em Deus e se pautar pela cartilha desses cidadãos.

noticias.cancaonova.com: Mas um dos principais argumentos do governo é exatamente o pluralismo do plano, que incorpora resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (realizada em Brasília entre 15 e 18 de dezembro de 2008), bem como propostas aprovadas em mais de 50 conferências nacionais temáticas promovidas desde 2003. Em sua nota de esclarecimento, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Sedh) explica que mais de 14 mil pessoas estiveram envolvidas diretamente na elaboração do programa, além de consulta pública.

Ives Gandra: Uma sociedade de 190 milhões de habitantes não é representada por 14 mil amigos do rei. Por outro lado, quando eles colocam esses números, evidentemente nós sabemos que essas ONG's e outras organizações são quase todas montadas, monitoradas, organizadas por eles mesmos.

E eu não acredito que haja um número em que todos tenham opinado com consciência. Eu posso formar um grupo maior e apenas uns poucos decidirem por todos, como em uma reunião de uma sociedade em que ninguém vai mas a diretoria publica as decisões em nome de todos. Tenho minhas sérias dúvidas se essas 14 mil pessoas estiveram presentes para dizer que eram favoráveis a essa tomada de posição.

Na verdade, eu lembraria o que disse Agripino Grieco quando lhe deram um livro de um mau poeta. Ele leu e disse: "Eu aconselho a queimar a edição e, em caso de reincidência, a queimar o autor". Eu não sou tão cáustico à reincidência de queimar o autor, mas que vale a pena queimar a edição desse programa, vale.

noticias.cancaonova.com: Esse Programa deveria ser elaborado com base no modelo da democracia deliberativa, em que o peso dos argumentos de grupos distintos é o que importa, e não sua representatividade?

Ives Gandra: Um plano de Direitos Humanos tem que ser elaborado pelos representantes do povo. Não existe, a meu ver, uma democracia deliberativa que possa decidir independentemente dos verdadeiros representantes do povo.

Eu só acredito em democracia em que haja equilíbrio de poderes. Toda democracia que elimina o Legislativo, elimina o Judiciário, mesmo com consultas populares, é uma ditadura, é permitir que o povo seja manipulado permanentemente por plebiscitos e referendos em que, na verdade, não se discute nada com profundidade. Eu pergunto sim e não para o povo, mas não discuto todos os meandros que só podem ser discutidos efetivamente pelo Poder Legislativo. Então, isso significa dizer que faço um plano sobre determinados direitos e excluo aqueles que estão vinculados a esses direitos.


noticias.cancaonova.com: O senhor poderia citar exemplos da inconstitucionalidade do decreto?

Ives Gandra: O decreto em si também fere por inteiro a Constituição. Direitos que eles consideram humanos são tratados de modo distinto na Constituição Federal (CF).

Por exemplo, a CF garante que é inviolável o direito à vida do ser humano. Logo, o aborto, o homicídio uterino, a morte de nascituros entra em choque com o que garante o Artigo 2º do Código Civil: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Com o PNDH-3, o homicídio uterino como "direito humano" fica consagrado.

A prostituição é uma chaga para a sociedade. Não se pode dizer que, como direito humano, o governo federal valorizará a prostituição, o lenocínio, o meretrício. Deve-se trabalhar para que essas mulheres encontrem uma profissão digna. Um decreto que valorize isso é evidentemente algo que afeta a dignidade humana, que está na essência dos direitos humanos.

O cidadão tem uma casa, é invadida por alguém, a partir desse momento, o invasor tem mais direito que o proprietário, pois se ele pretender uma reintegração de posse, o Poder Judiciário deixa de estar habilitado para fazê-lo. Uma comissão, formada pelo invasor, decide se o Poder Judiciário poderá, ou não, executar a reintegração. Ora, a CF declara, no artigo 5º: "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

No PNDH-3, por exemplo, defende-se que sindicatos e centrais de trabalhadores terão mais força que os parlamentares na definição de programas, fazendo com que plebiscitos e referendos, como acontece na Constituição Venezuelana, tenham muito mais importância que a própria representação do Parlamento ou Poder Judiciário, que é aquele que faz respeitar a lei. Isso faz com que se adote aquele modelo que prevalece hoje na Venezuela, isto é, Poder Executivo e povo consultado e manipulado por esse Poder, sendo os outros Poderes secundários, sem nenhum valor.

Com relação à família, a CF, no artigo 226, diz: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Fica claro que ela deve ser constituída por um homem e uma mulher, bem como o homem e a mulher e seus decendentes em caso de separação e viuvez. Mesmo assim, a família sempre tem origem na união entre o homem e a mulher.

Quando se busca dar o mesmo status de família para casais homoafetivos, pode-se dizer que a CF nada vale, pois se quer mudar uma cláusula pétrea, dizendo que é família a união entre dois homens ou duas mulheres que não podem gerar filhos. Se a família tem o sentido de garantir perpetuação da espécie, criação da prole, educação, formação da sociedade, casais de homens e mulheres não tem, até por questões biológicas, condições de gerar filhos. Isso fere, portanto, a meu ver, uma cláusula pétrea.

noticias.cancaonova.com: O que caracteriza uma cláusula pétrea?

Ives Gandra: Na cláusula pétrea, os direitos individuais não podem ser modificados. Se o artigo 226 coloca a família como base da sociedade, vale dizer que toda a CF é formada para a sociedade, que só existe com base na família. Se eu não posso modificar dispositivos como o direito à privacidade, com muito mais razão aquilo que é a própria essência da sociedade também não pode ser modificado. Qualquer mudança nesse sentido é inconstitucional, pois cláusula pétrea nem uma emenda constitucional pode alterar.

noticias.cancaonova.com: Em nota emitida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, afirma-se que: "Ao apoiar projeto de lei que dispõe sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e ao prever ações voltadas à garantia do direito de adoção por casais homoafetivos, o PNDH-3 tem como premissa o artigo 5º da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...). Considera ainda as resoluções da 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada em junho de 2008, marco histórico no tema. O programa também está em consonância com tendência recente da própria jurisprudência, que vem reconhecendo o direito de adoção por casais homoparentais".

Ives Gandra: Eles mesmos dizem que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma opção sexual. A opção sexual só pode acontecer depois de se ter, enfim, crescido e adotado essa opção. A opção natural é de um homem gostar de uma mulher. Essa opção natural, biológica, aquela que permite a geração de filhos, é da união entre um homem e uma mulher, como a CF previu.

Ora, se é uma opção, como se permitir a adoção de uma criança, que primeiro teria que ter sua opção biológica, se ela já começar a ser trabalhada por um casal que já fez sua opção sexual e preparará a criança no sentido de ter a mesma opção, contra a natural?

É evidente que para o cidadão que queira viver com outro cidadão, existem mecanismos na lei, de contratos, de direitos obrigacionais, mas não como uma família. O que se está pretendendo é transformar a família, contra a natureza biológica e contra aquilo que a própria CF diz e não pode ser mudado.

Logo, isso de dizer que todos são iguais, não podem ser iguais contra a CF, que elenca as hipóteses em que ela, através de cláusulas pétreas, diferencia aquelas desigualdades que fazem com que o princípio da igualdade seja observado. Uma das formas, efetivamente, de preservar o princípio da igualdade é permitir que ele se realize no limite das desigualdades das pessoas.

noticias.cancaonova.com: Uma das ações do PNDH-3 prevê mecanismos que impeçam a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. A Sedh explica: "O PNDH-3 tem como diretriz a garantia da igualdade na diversidade, com respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal".


Ives Gandra: No momento em que o próprio decreto prevê que símbolos religiosos devem ser afastados, em um país que 97% das pessoas acreditam em Deus [citando dados de uma pesquisa do DataFolha], é como se dissessem: "Há uma ditadura de 3% da sociedade e vamos impor aos outros a obrigação de não ter nas repartições públicas símbolos religiosos".

É como quem dissesse: "Estado laico é Estado ateu, e somente quem não acredita em Deus e não tem religião pode opinar. Vocês podem, escondidos, sem mostrar para os outros, acreditar em Deus, mas não queremos ter símbolos que representam valores". Afinal, é evidente: quem quer valorizar a prostituição não pode aceitar valores e símbolos religiosos que objetivam a união e a fraternidade entre os povos.

noticias.cancaonova.com: Existe algum dispositivo legal que garanta os crucifixos nestes locais?

Ives Gandra: Não existe nenhum dispositivo legal que determine, mas também a criação de um dispositivo que elimine seria, a meu ver, contra aquilo que caracteriza a tradição do país. Considero que a CF percebe a religião como depositária de valores, de valores superiores do ser humano, de valores que elevam a dignidade da pessoa humana, e não a desvalorização da pessoa humana.

noticias.cancaonova.com: Outros segmentos religiosos também poderiam evocar a tradição como justificativa para expor seus símbolos em locais públicos?

Ives Gandra: Acredito que não, pois são valores que entraram posteriormente. Nos tribunais, sempre foi tradição ter o crucifixo, que tem um aspecto inclusive emblemático, pois representa o símbolo da justiça e, ao mesmo tempo, leva todo o magistrado a pensar permanentemente naquele que foi o julgamento mais injusto da história. O símbolo serve como ponto de reflexão e transcende a própria religião. Isso me parece que, independentemente das religiões, deveria ser sempre mantido.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que cabe a cada tribunal decidir se deseja ou não manter o crucifixo. Neste particular, se o magistrado for um ateu e não quiser o crucifixo, ele tem o direito de não colocar. Isso vale para toda a magistratura do Brasil e me parece adequado. Agora, impor que mesmo os que queiram ter não possam ter é, evidentemente, fazer a ditadura do agnosticismo, ateia, daqueles que não acreditam.

noticias.cancaonova.com: Então, o que se tem é um entendimento errado do que seja Estado Laico? Como viver, de forma sadia, a dimensão pública da religião?

Ives Gandra: A Introdução da CF expressa: "Nós, representantes do povo brasileiro, [...] promulgamos, sob a proteção de Deus". Que Deus é esse? Toda a CF foi promulgada sob a proteção de Deus.

Na verdade, o que eu vejo é que todos tem o direito de não acreditar em Deus. Se todos tem essa liberdade, por que tentar impor, dizendo que Estado laico é aquele em que não se pode ter nenhuma demonstração religiosa? Eles confundem Estado laico com Estado ateu. No laico, as deliberações não são tomadas à luz da religião, todos tem liberdade e os valores e tradições são conservados. Já no ateu, o que se busca é substituir símbolos religiosos pela visão que não quer símbolo nenhum.

noticias.cancaonova.com: Qual a sua opinião sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade, que investigaria a responsabilidade de atos criminosos praticados durante o período da ditadura militar?

Ives Gandra: Nós estamos vivendo um momento em que o Brasil pode se projetar com paz para o futuro, encontrar caminhos novos, discutir em uma eleição programas futuros de crescimento. Não é preciso voltar à década de 60, à realimentação do ódio. Nós temos tortura hoje, nos diversos estados, na polícia, e é isso que tem que ser procurado. Temos que por uma pedra no passado e tentar equacionar o Brasil de hoje.

noticias.cancaonova.com: O Governo Federal poderia ter apresentado o Plano dessa forma?

Ives Gandra: Tudo isso, de rigor, já ganhou um formato jurídico que não deveria ter; deveria ser, no máximo, uma proposição, que passaria ou não no congresso. Da forma como foi feito, eu acredito que vai haver discussões preliminares no Congresso, quando projetos forem enviados.
O Decreto, embora tenha o contorno de carta de intenções, já tem o formato de comando jurídico.

Enfim, é um plano com viés ideológico bem claro, de pessoas que se realimentam do ódio passado, mas que, felizmente, por todas as suas deficiências, não tem chance de passar no Congresso. É nisso que eu acredito.

Editorial do jornal O GLOBO

Fonte inspiradora (Editorial)

Ao participar na semana passada de debate no Rio, o ministro Paulo Vannuchi negou querer regulamentar os meios de comunicação por meio da terceira versão do programa de defesa dos direitos humanos.
Registre-se o avanço na posição do ministro. Pelo menos, Vannuchi, responsável direto por um virtual plano de governo sob o nome fantasia de “Programa Nacional de Direitos Humanos”, do qual constam propostas flagrantemente inconstitucionais, parece ter entendido que entrou em terreno perigoso para a democracia.
Ou, se não entendeu, fez um recuo tático na esperança de tentar algum apoio no Congresso. O ministro e quem mais, no governo, apoia o tal programa transitam em campo minado ao propor instrumentos de vigilância dos meios de comunicação, e ao defender a relativização do direito de propriedade no tratamento de invasões pela Justiça, além de outros pontos também equivocados.
O ministro dos Direitos Humanos propõe um debate com a mídia sobre formas de “controle social” as quais, sem restringir a liberdade de expressão, extirpe da imprensa e da produção audiovisual supostas demonstrações de homofobia e racismo.
Mas o debate proposto pelo ministro na verdade já ocorre, com os meios de comunicação expondo por diversas vezes a posição contrária a qualquer tipo de limitação estatal sobre a circulação de informações e na produção artística, fora aquelas já estabelecidas na Constituição.
Como o respeito aos direitos individuais, entre eles a privacidade, sendo as divergências mediadas pelo Poder Judiciário.
Em editoriais e declarações de entidades do setor, a proposta de classificação de veículos de imprensa para efeito de avaliação de maior ou menor respeito aos “direitos humanos” tem sido tachada de abusiva, por representar uma tentativa de limitar, por meio de coação, a liberdade de expressão garantida pela Carta.
A própria folha corrida da esquerda autoritária atuante no governo Lula justifica preocupações, como demonstram tentativas anteriores de interferência nos meios de comunicação (Ancinav e Conselho Federal de Jornalismo, ainda no primeiro mandato do presidente Lula).
Confrontar idéias e propostas ajuda no fortalecimento da democracia. Mas é necessário cuidado com plataformas de viés autoritário apresentadas em nome do “controle social”, chavão usado como biombo para subordinar cada vez mais a sociedade a agentes do Estado.
Não é coincidência que, neste momento, o caudilho Hugo Chávez queira “regulamentar” a internet. A matriz ideológica que inspira essas “regulações” na Venezuela e no Brasil é a mesma.

www.noblat.com.br - – 23/3/2010

A CARTILHA RADICAL

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) suscita graves preocupações não apenas pela questão do aborto, do casamento de homossexuais, das adoções de crianças por casais do mesmo sexo, pela proibição de símbolos religiosos nos lugares públicos, pela transformação do ensino religioso em história das religiões, pelo controle da imprensa, a lei da anistia, etc, mas, sobretudo, por uma visão reduzida da pessoa humana. A questão em jogo é principalmente antropológica: que tipo de pessoa e de sociedade é proposto para o nosso país.
No programa se apresenta uma antropologia reduzida que sufoca o horizonte da vida humana limitando-o ao puro campo social. Dimensões essenciais são negadas ou ignoradas: como a dignidade transcendente da pessoa humana e a sua liberdade; o valor da vida, da família e o significado pleno da educação e da convivência. A pessoa e os grupos sociais são vistos como uma engrenagem do estado e totalmente dependentes de sua ideologia.
Os aspectos positivos, que também existem, e que constituíram as grandes batalhas da CNBB ao longo destes anos, são englobados dentro de um sistema ideológico habilmente plantado por uma minoria que não respeita a visão da vida da grande maioria do povo brasileiro. Por isso, é um grande alerta o pronunciamento da CNBB, da sua comissão Vida e Família, de muitos e dos mais diferentes setores da sociedade que mostraram toda sua preocupação.
Nesta 3ª edição do PNDH, estamos diante de uma cartilha de estilo radical-socialista, que esta sendo implantada na Venezuela, no Equador e na Bolívia, e que tem em Cuba o seu ponto de referência. Trata-se de um projeto reduzido de humanidade destinado a mudar profundamente a nossa sociedade.
Vida, família, educação, liberdade de consciência, de religião e de culto não podem ser definidos pelo poder do Estado ou de uma minoria. O Estado reconhece e estrutura estes valores que dizem respeito à dignidade última da pessoa humana, que é relação com o infinito e que nunca pode ser usada como meio, mas é um fim em si mesma. A fonte dos direitos humanos é a pessoa e não o Estado e os poderes públicos.
O programa do Governo é um claro ato de autoritarismo que enquadra os direitos humanos num projeto ideológico, intolerante, que fez retroceder o país aos tempos de ditadura. Somos todos interpelados diante deste projeto que tenta desmontar a estrutura da sociedade destruindo o valor da pessoa, da vida, da família e das livres agregações sociais.
D. FILIPPO SANTORO é bispo de Petrópolis.

Artigo Publicado no jornal O Globo, seção Opinião, pág. 07, de 23/03/2010

A TRADIÇÃO CONSELHISTA

Denis Lerrer Rosenfield - 03 Fevereiro 2010

Cabe ressaltar que sociedade civil vem a significar, no PNDH-3, a participação dos movimentos sociais. O conceito de sociedade civil é tornado igual ao de "movimentos sociais". Aqui já se faz presente a artimanha ideológica.
O governo tem suscitado uma série de conferências, seminários e fóruns, seja direta ou indiretamente. Se o faz por iniciativa própria, imprime a sua marca. Se o faz por interposta pessoa, atribui essa iniciativa aos movimentos sociais -- a vantagem consiste em fazer passar uma proposta sem se responsabilizar imediatamente por ela. Se ela pegar junto à opinião pública, ele a assumirá como sua, num avanço considerado inédito na História brasileira. Se não pegar, haverá sempre a alternativa de dizer que a culpa foi de movimentos sociais não afinados com o governo. Em todo caso, dirá sempre que o seu procedimento foi "democrático", mesmo que as propostas apresentadas possam ser antidemocráticas ou liberticidas.
O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) está repleto de expressões como "sociedade civil", "democracia participativa", "conselhos de direitos humanos", "conselhos ambientais", "conselhos populares", como se dessa maneira estivesse assegurado o seu caráter "democrático" e "participativo". O engano pode ser, aqui, de monta, pois a aparência é uma e a sua essência é outra. O autoritarismo transparece no uso que é feito desses conceitos. Os títulos constantes do documento, politicamente corretos, são, por exemplo, os seguintes: "Interação democrática entre Estado e Sociedade Civil", "Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa".

Historicamente, o conceito de sociedade civil significava a participação dos cidadãos na vida das cidades-Estado, da polis, em busca da igualdade civil e da igualdade de oportunidades. Eles propugnavam pela liberdade econômica, pela liberdade política, pela liberdade de expressão e, progressivamente, pela liberdade religiosa. A liberdade de crenças no sentido genérico da expressão se afirmava como essencial. Para eles, igualmente, os tributos cobrados pelo rei deveriam ser reduzidos em proveito de sua própria atividade. Aliás, consideravam-nos ingerências arbitrárias em seus assuntos particulares. Clamavam pela universalidade e imparcialidade da lei.

Percebe-se o longo caminho trilhado por esse trabalho de resignificação operado por essa esquerda. Sociedade civil vem a significar a participação de movimentos sociais que operam como verdadeiras organizações políticas, de caráter anticapitalista, voltadas para o cerceamento das liberdades econômicas, para a negação da universalidade e imparcialidade da lei, para a limitação da liberdade de imprensa e de expressão, pela afirmação de sua crença como a única verdadeira. Na verdade, o seu objetivo consiste no cerceamento progressivo das liberdades civis e políticas, mediante um aparelhamento sindical e partidário das empresas e do Estado, também denominado "controle social" de suas atividades.

É nesse contexto que se inserem suas múltiplas alusões aos conselhos dos mais diferentes tipos, "conselhos de direitos humanos", "conselhos populares", "conselhos ambientais", entre outros. Historicamente, os conselhos são os herdeiros dos soviets ou do que o marxismo do século 20 veio a considerar a tradição conselhista. Originariamente, significavam -- ou procuravam aparecer como -- organizações autônomas de trabalhadores nas fábricas em sua luta contra a "burguesia" e contra o "capital". Do ponto de vista de sua apresentação, diziam lutar por melhores condições de trabalho, salário e saúde. Esse tipo de demanda, aliás, foi progressivamente incorporado pela própria legislação capitalista, sendo hoje muito melhor do que qualquer legislação socialista.

A questão, porém, é que se tratava de mera aparência, pois a sua finalidade maior era criar condições para uma sociedade socialista, comunista, também dita "ditadura do proletariado". Em sua essência, eram e se tornaram cada vez mais instrumentos dos partidos comunistas em seus mais diferentes matizes, começando com o Partido Bolchevique e se prolongando, entre outros, no Partido Comunista de Fidel Castro. Hugo Chávez está, agora, criando um partido unificado com o mesmo perfil, sob a sua batuta totalitária.

O Fórum Social segue o mesmo caminho, só que se apresentando como resultado autônomo dos movimentos sociais e de ONGs. Observe-se que, muitas vezes, as estrelas dos eventos são as mesmas, com a utilização de uma mesma linguagem política. Conferências, como a tida sobre os meios de comunicação, trilham a mesma agenda, exibindo-se como o resultado de um amplo debate da "sociedade civil", com a "participação dos movimentos sociais". A próxima, sobre a cultura, procura também apresentar propostas antidemocráticas em nome mesmo da "participação democrática".

Tomemos como exemplo a proposta, presente em todos os eventos citados, contra o "monopólio dos meios de comunicação". O que querem dizer com isso? Estão descrevendo uma realidade? Evidentemente que não. As grandes redes de televisão mostram precisamente o contrário. A competição entre a Globo, a Band, a Record, o SBT, a RedeTV, a Rede Brasil e os inúmeros canais culturais e educacionais regionais é acirrada. Temos empresas privadas e públicas, católicas e evangélicas, num claro espectro não monopolista. Temos ainda a transmissão via cabo, que potencializa enormemente essa pluralidade. No entanto, os pseudopromotores da democracia buscam o quê? Controlar eles mesmos os meios de comunicação para que suas propostas autoritárias e totalitárias consigam se impor. Costumam, aliás, elogiar regimes comunistas e socialistas como os de Cuba, Venezuela e Bolívia, apresentados como modelos. Todos têm em comum a mesma aversão à liberdade de imprensa, da mídia e do pensamento em geral.

Texto reacende polêmica sobre direitos humanos

Texto reacende polêmica sobre direitos humanos

Folha de São Paulo , 16 de fev 2010

O incêndio que o governo federal se viu obrigado a apagar por conta das polêmicas em torno da aprovação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos será ressuscitado pelo PT, em seu 4º Congresso Nacional.
Uma resolução apresentada por 15 petistas, entre eles o ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG), pede que o partido dê "apoio incondicional" ao plano aprovado no governo do presidente Lula.
Os petistas dizem que os direitos humanos devem ser protegidos e praticados por todos, independentemente de partidos.
O tema também é tratado no documento "Diretrizes para o Programa de Governo Dilma Rousseff 2010". Para cúpula do PT, caberá a Dilma, se eleita, promover "a abertura e a implementação da comissão da verdade, para esclarecimento público dos casos de torturas, assassinatos e desaparecimentos políticos no Brasil".
As duas resoluções serão colocadas em votação no congresso, assim como outros textos sobre alianças e construção partidária. As diretrizes do programa de governo são sugestões que o PT colocará discutirá com os outros partidos que integrarem a aliança de Dilma e que poderão ser ou não ser incorporadas pela pré-candidata.

segunda-feira, 22 de março de 2010

DIREITOS HUMANOS LÁ E CÁ

Comentando a quarta visita do presidente Luiz Inácio ao veterano ditador cubano, notei o desvelo do presidente em homenageá-lo a contrastar com o silêncio sepulcral diante da mais antiga ditadura do mundo ocidental, tanto mais chocante quando a paparicagem coincidia com a morte do preso político Orlando Zapata ao cabo de 85 dias de greve de fome. O fato repercutiria no mundo e o presidente brasileiro permanecia mudo, limitando-se por fim a repetir o que dissera o vice Raúl Castro, que a morte do dissidente “era lamentável”. A tibieza do presidente causou decepção, reprovação, estupefação ou que outro nome possa ter. Exatamente pelos tristes efeitos, particularmente em países onde o presidente itinerante vinha sendo alcandorado, levou-o às falas, mas para dizer que “temos de respeitar a determinação da justiça e do governo cubano, de prender em função da lei de Cuba”. A emenda foi pior que o soneto, pois meio mundo sabe, e o presidente mais do que ninguém, que não pode haver justiça num país encarcerado, onde a “suspeita” legitima a prisão, onde a divergência com a estrutura montada pela ditadura cinquentenária é delito, onde só existe um partido e a liberdade de imprensa é nenhuma. Na URSS de Stalin, na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Espanha de Franco, também havia prisões e condenações segundo as leis vigentes. Ele não se lembra da denúncia de Nikita Krushchev perante o 20° Congresso do Partido Comunista acerca dos crimes de Stalin, nem das leis raciais da culta germânica ou do “garrote vil” ainda aplicado nos dias finais do franquismo?

Mas o honrado presidente da República foi além em sua facúndia, “imaginem se todos os bandidos presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem libertação”. Foi um desastre. Ele não sabe que no Brasil não há preso político? Equiparar um preso político em greve de fome na ilha de Fidel com um homicida, traficante, estelionatário, estuprador, assaltante, et caterva, que esteja a cumprir pena em São Paulo ou outro lugar, é uma licença que transcende todos os limites do senso comum; como era de esperar o efeito foi deplorável.

O fato das prisões políticas, que contou com a complacência do autor do Decreto 7.037, repercutiu no mundo. Entidades respeitáveis não usaram meias palavras para estigmatizar a crueldade da pena por motivos ideológicos nesta altura do século 21. Por todos, e para não alongar-me, menciono a manifestação do Parlamento Europeu, numa votação arrasadora, mais de 500 contra 30 e 15 abstenções. Mas não foi apenas no Exterior que a brutalidade da ditadura cubana repercutiu. O movimento das “Damas de Branco”, esposas e mães de presos, saiu às ruas e sua manifestação pacífica foi dissolvida pela força.

Contudo, a leniência do chefe do governo brasileiro continuou impávida, em prejuízo do bom nome do país em públicas manifestações e em mais de um Estado.

Esse insigne destempero pode iluminar um recanto, para mim, ainda obscuro. Parecia-me pouco inteligível o PNDH – Programa Nacional dos Direitos Humanos, cujo conteúdo desmente o rótulo. É a anti-Constituição. Agora, as declarações do presidente no tocante a Cuba, cada vez mais chocantes, parecem indicar parentesco dele com a “Justiça cubana”. Mas saliento que o presidente tem dito ser intocável o seu PNDH, que ele assinou sem ler, como confessou. Intocável, salvo no tocante à imprudente provocação às corporações militares, e agora, parece, também no que concerne à Igreja. Et pour cause.

Paulo Brossard
Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal

Artigo publicado em Zero Hora
edição de 22/03/2010

domingo, 21 de março de 2010

MANIFESTA ATACA PNDH3

sábado, 20 de março de 2010

Forças vivas começam a se despertar

As entidades empresariais e de classe reunidas no Fórum em Defesa do Empreendedor vão lançar nos próximos dias um manifesto contra o PNDH3. Entre as entidades estão a FIESP e a Federação do Comércio.

A iniciativa foi anunciada pelo presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis (Sincon-SP), José Maria Chapina Alcazar, durante debate sobre o PNDH realizado ontem na sede da Fecomércio.

Segundo ele, as entidades vêem no plano do governo uma tentativa de amordaçar a imprensa e de cercear o Judiciário.

Também são contrárias à regulamentação do imposto sobre grandes fortunas e a mudanças nos currículos escolares propostas pelo programa.

O PNDH estabelece uma série de diretrizes para políticas públicas. Porém, sua implantação depende de aprovação de leis específicas pelo Congresso.

O ministro Vannuchi, dos Direitos Humanos, disse que discutirá mudanças no programa com entidades patronais e de empregados. "Não estamos fechados a fazer reparos", afirmou.

As informações são do jornal Estado de São Paulo.

Extraído do blog GPS do Agronegócio

O DIREITO E O DIREITO À BURRICE

Longe de mim recusar o direito à burrice. O que deve ser negado é a burrice ao Direito. O Direito afeta o conjunto da sociedade, exigindo, portanto, cuidadosa aplicação da inteligência no sentido da Razão. É preciso protegê-lo da burrice.

Há alguns meses, após palestra a alunos de uma Faculdade de Direito, ouvi de um estudante candente manifestação de apoio à invasão de terras e à ação do MST. Ora, nos cursos de Direito formam-se profissionais cuja atividade mais comum será a de defender interesses de seus constituintes no contexto do emaranhado legal do país. Essa e outras atividades que compõe o cotidiano dos operadores do Direito se desenvolvem em torno de uma coisa chamada “processo”. O devido processo. Ele é o meio dentro do qual se movem os profissionais do Direito e o aparelho judiciário. Sem ele não podem operar as partes nem decidir os magistrados. Portanto, expliquei ao rapaz, a menos que se deseje condenar à miséria os diplomados nas carreiras jurídicas, transferindo prestígio e renda para as profissões de pistoleiro e capanga, seria prudente – para dizer o mínimo – rever sua posição. Um bom advogado deve ser intransigente defensor do devido processo!

É provável que de nada tenha adiantado o que eu disse. Certas ideologias envolvem a razão num casulo e obliteram o entendimento. Faça a experiência, entre num site ou blog de esquerda que tenha espaço para interatividade e tente argumentar contra alguma ideia ali exposta. Eu fiz isso ontem. Pesquisando sobre o PNDH-3 (aquele decreto federal sobre direitos humanos para o qual Lula e Dilma fizeram a maior festa, e depois alegaram desconhecer seu conteúdo) deparei-me com um artigo que me interessou. O autor, formado em Direito, defendia o decreto presidencial e, em particular, apoiava aquela mediação que pretende tornar obrigatória a audiência a “organizações da sociedade” como condição prévia à concessão de liminar para reintegração de posse em casos de invasão de propriedade. O decreto propõe que o juiz, quando isso ocorrer, só possa deliberar após ouvir certas organizações militantes, em reunião conjunta com os invasores e o invadido. Uma zorra na vara!

Lendo o referido artigo no blog de um advogado, adicionei ali uma observação mostrando que essa exigência cerceava a atividade jurisdicional, colocava em pé de igualdade o invadido e o invasor, trazia para dar palpites no processo partes que nada tinham a ver com ele e estabelecia mediação onde não havia o que mediar. Foi o que bastou para que o responsável pelo blog viesse em socorro à minha ignorância com um argumento tão arrasador que o fez sentir-se autorizado a tirar sarro da minha cara. Disse ele, literalmente: “Leia a Constituição. Ela estabelece a função social da propriedade, hehehe”.

E eu fiquei sem saber – hehehe – o que uma coisa tinha a ver com a outra. A função social da propriedade é um princípio, não é autorização para que um bem possa ser tomado ao bel-prazer de quem o pretenda ter para si. No entanto, nada há de desmesurado na burrice do cavalheiro esse do hehehe. É exatamente assim que pensam os autores do PNDH-3 e todos os participantes do Congresso Nacional do PT que ungiram com a bênção partidária a totalidade do lamentável calhamaço. O direito à burrice é como a anistia – amplo, geral e irrestrito. O que precisamos é proteger da burrice o Direito.
_____________________
Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O CRUCIFIXO NOS TRIBUNAIS – o caso brasileiro

ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA
Mestre em Direito e Professor da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio grande do Sul


1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar a situação ocorrida no Brasil, onde foi proposta a retirada dos crucifixos das salas de julgamento dos Tribunais, sob a alegação de laicidade do Estado, especialmente ante o aparente conflito entre o Preâmbulo da Constituição Federal e o art. 19, I, da mesma.

Num momento em que uma série de questões com fundo eminentemente moral tem passado a ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário brasileiro (v.g., pesquisas com células-tronco embrionárias, aborto de fetos anencéfalos, casamento entre pessoas de mesmo sexo), a ONG “Brasil para todos” formulou pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça no sentido de proibir a presença de crucifixos nas salas de sessões ou espaços públicos do Judiciário.

Para compor a análise proposta analisa-se o conteúdo e significado do “bloco de constitucionalidade”; a força normativa do preâmbulo da Constituição, ante o disposto no art. 19, I, da mesma Carta; após aprecia-se a decisão do Conselho Nacional de Justiça, sendo apresentadas algumas considerações finais, como conclusão do trabalho.


2. O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE
Conforme FAVOREU, a expressão BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE é uma adaptação, no âmbito do direito constitucional, da expressão criada por HARIOU – “bloco de legalidade” – para fazer referência à atuação do Conselho de Estado no controle dos atos administrativos, através da aplicação do conjunto de regras, para além daquelas positivadas, que se impunham à Administração, em virtude do princípio da legalidade. Portanto, a “legalidade” referida não se trata de mera conformidade com a lei, mas conformidade com esta, mais os princípios gerais de direito e mais uma série de normas. Assim, prossegue, o bloco de legalidade deveria ser, em verdade, chamado de “bloco de juridicidade”.
Embora a origem do conceito remonte ao início do século passado, sua importância e aplicação ganham estatura a partir do aumento da relevância e atuação do Conselho Constitucional, na França. As funções deste órgão não se resumem a garantir o respeito à Carta Constitucional, pois, também através de sua jurisprudência, alargou-se o critério de constitucionalidade, passando a ser o defensor dos direitos e liberdades fundamentais (mesmo em países onde a estrutura do controle de constitucionalidade difere da existente na França, o termo, bem como o seu conteúdo, vem sendo adotado e aplicado ).
O leading case que levou a esse alargamento de competência e legitimação, levando à definição do “bloco de constitucionalidade”, é uma decisão do Conselho Constitucional francês, de 16 de junho de 1971, a respeito de liberdade de associação onde, pela vez primeira, veio consagrado o valor jurídico-constitucional do Preâmbulo da Constituição. A origem da questão reside no fato de que, em maio de 1970, foi dissolvido um pequeno partido político de esquerda – La Gauche Prolétarienne -, com base em uma lei de 1936, que combatia a existência de grupos e milícias privadas. O fato tomou notoriedade, vindo um grupo de cidadãos célebres, entre eles SARTRE e SIMONE DE BEAUVOIR, a se manifestar contrariamente à dissolução referida, constituindo a associação Les Amis de la Cause du Peuple, para sustentar essa posição.
À época, a constituição de associações era regulamentada por legislação do início do século passado que continha a exigência de depósito de uma declaração sobre a organização e os propósitos, bem como cópia dos estatutos da associação, junto ao Presidente da Câmara de Paris, que deveria divulgar essas informações através da imprensa oficial. Entretanto, em atenção à ordem do Ministro do Interior, a publicação foi recusada, pois considerada mera reedição do partido extinto.
A Associação interpôs uma ação perante o Tribunal Administrativo de Paris, que, fundando sua decisão na jurisprudência do Conselho de Estado, deferiu o pedido, determinando a publicação, permitindo a constituição buscada. Quatro meses após, o Governo francês apresentou projeto de lei para alterar a Lei de Liberdade de Associação de 1901, dando poderes ao Presidente da Câmara para remeter ao Procurador da República a documentação relativa a pedidos de constituições de associações, quando suspeitasse de finalidade ilegal ou imoral ou se tratasse de tentativa de reconstituição de associação que já tivesse assim sido considerada. Ou seja, associações estariam submetidas a um controle prévio de modo a manter suas atividades em conformidade com a lei e os bons costumes. Ante essa proposição, questionou-se se esse controle “a priori” não violaria o direito de livre associação, pois embaraços a esta liberdade haviam sido criados. O Presidente do Senado, nos termos do art. 61, 2ª parte, da Constituição de 1958, enviou o projeto ao Conselho Constitucional para pronunciamento sobre a questão.
Ao apreciar o projeto, o Conselho invocou os “princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da república” para considerar constitucional a liberdade de associação, consagrando o Preâmbulo desta como parte integrante do “bloco de constitucionalidade” , alterando de forma radical a amplitude do controle de constitucionalidade.
O conceito de “bloco de constitucionalidade”, assim, não está limitado ao Texto Constitucional, mas abrange todos os princípios deste derivados, enquanto em unidade com aquele, incluindo-se não apenas o preâmbulo, mas os princípios gerais derivados do próprio sistema e os princípios suprapositivos imanentes à própria ordem jurídica. A evolução da jurisprudência do Conselho Constitucional francês demonstra a abrangência crescente da noção de “bloco de constitucionalidade”. Além da referida decisão de 1971, o Conselho utilizou a noção de “princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República” em decisões de 1976 - direito de ofensa -, de 1977 - liberdade individual, liberdade de ensino e liberdade de consciência -, entre outras, tendo, em 1976, empregado a expressão “princípios de valor constitucional” para designar as normas não inscritas nos textos constitucionais, mas integrantes do “bloco”.
Ensina FAVOREU que o conceito de bloc de constitucionnalité não se configura em simples autorização dada ao Conselho para que busque a regra a ser aplicada ao caso concreto, mas de integração de princípios e dispositivos à ordem constitucional. O “bloco de constitucionalidade”, embora não se desconheça tratar-se de um conceito em constante evolução , na França, contemporaneamente, é composto pelo Texto da Constituição de 1958 e o seu Preâmbulo, o qual remete à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e para o Preâmbulo da Constituição de 1946; o Preâmbulo da Constituição de 1946, que remete aos “princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República” e proclama os “princípios particularmente necessários ao nosso tempo”.
Como se vê, os princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República ocupam posição de equivalência com os direitos e liberdades consagrados pela Declaração de 1789. Esses princípios, originalmente, foram consagrados por leis ordinárias e não constitucionais, inexistindo critérios formais que se prestem à sua identificação. Assim, ao Conselho Constitucional francês abre-se um espaço interpretativo (criativo) para a identificação e aplicação dos princípios.
Portanto, o “bloco de constitucionalidade” não se trata de simples alargamento de possibilidade interpretativa, mas, isto sim, a integração de princípios que orientam o próprio Ordenamento Jurídico, por suas próprias tradições.
Os valores mais altos, do ponto de vista ético e moral, socialmente assim entendidos, são aqueles reconhecidos pela Constituição, que os alçará à condição de princípios que irão informar toda a legislação nacional, não podendo por esta serem contrariados ou desrespeitados. Ou seja, evidencia-se o caráter axiológico da fundamentação dos princípios constitucionais, os quais, por sua vez, são as “traves-mestras”, para usar a expressão de CANOTILHO, do ordenamento jurídico-constitucional.
Nesta linha, não se pode olvidar que o termo “princípio” contém a noção de início, origem, base, bem como expressa o ponto de partida, o fundamento de um processo, de um sistema. Os princípios é que orientam e condicionam a interpretação das normas jurídicas, inclusive das normas constitucionais, apresentando-se como unificadores e harmonizadores do sistema constitucional, uma vez que se encontram em patamar axiológico superior.
Pode-se dizer que, ao lado do ordenamento jurídico propriamente dito, concebido como um sistema de normas legais, tem-se os princípios que dão suporte axiológico e conferem coerência interna e estrutura harmônica ao sistema. Os princípios têm conteúdo ético e a justiça por finalidade, possibilitando definir o próprio sistema jurídico “como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos”.
Nas palavras de CARMEN LÚCIA A. ROCHA, “Os princípios constitucionais são os conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação política no estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para cumprimento de suas funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético-social antecede a sua caracterização normativo-jurídica.”

3. O PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
Na esteira do entendimento do conteúdo do “bloco de constitucionalidade”, em especial a inserção do Preâmbulo da Constituição francesa de 1958 neste, surge o questionamento sobre a possibilidade de que o mesmo ocorra em relação ao Preâmbulo da Carta brasileira de 1988 e, se existente, se deste emanam princípios constitucionais que devem orientar todo o ordenamento jurídico.
Por primeiro, cabe transcrever o texto do próprio Preâmbulo da Carta de 1988:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
Da leitura do texto, de plano, é possível verificar que não há princípios expressos, mas vários implícitos podem ser identificados: hierarquia e supremacia das leis, democracia, igualdade, federalismo, legalidade, etc.
O princípio relativo à democracia se revela, a partir da instituição de um Estado democrático, pela afirmação da igualdade, do pluralismo, pela menção à República. Entretanto, também este princípio vem contemplado de forma expressa nos dispositivos do corpo da Constituição, no art. 1° e inc. V; art. 5°, caput; e art. 14, entre outros. Também se encontra no Preâmbulo o princípio da igualdade, o qual foi consagrado no texto constitucional, nos arts. 5°, caput, e 19, III.. Na mesma situação, tem-se o princípio do federalismo, inserido nos arts. 1°; 18; 34, II; 60, §4°, I; e 85, da Constituição de 1988. A legalidade, inserida no Preâmbulo, por igual, restou consagrada no art. 5°, caput, e inc. II, de nossa Carta Constitucional. Outros princípios, considerados implícitos no Preâmbulo da Carta de 1988 poderiam ser referidos, eventualmente, mas a apresentação levada a efeito é suficiente para alcançar sua finalidade, qual seja, que as referências existentes no Preâmbulo foram inseridas no corpo do texto constitucional.
Entretanto, há uma expressão inserida no Preâmbulo da Carta de 1988 que é plena de conteúdo axiológico e por essa razão deve ser apreciada: sob a proteção de Deus.
A primeira oposição que se poderia apresentar à aceitação dessa invocação como princípio constitucional é, exatamente, sua inserção tão-somente no Preâmbulo, sob o fundamento de que quando o legislador constituinte buscou consagrar os princípios constitucionais levou-os, também, ao texto propriamente dito. No entanto, essa objeção não logra êxito, uma vez que não se pode “admitir o preâmbulo como repositório de ilusões, gulag ou desterro de disposições não queridas mas estampadas apenas para fazer crer” . Não fosse suficiente, o mesmo argumento ampara, “a contrario sensu”, a invocação da proteção de Deus, pois não tivesse relevância não estaria sequer no Preâmbulo.
Afastadas tais objeções de caráter formal, resta confrontar a “invocação” com o laicismo do Estado brasileiro e a liberdade de crença, constitucionalmente erigida.
Em primeiro lugar, é necessário perceber que o laicismo não se confunde com ateísmo. É nítida e inafastável a separação entre Estado e Igreja, o que ocorre, no Brasil, desde a Carta Constitucional de 1891 .
O laicismo implica, é evidente, em separação, dissociação, entre o Estado e uma determinada religião; jamais representa uma declaração de descrença ou ateísmo. É garantia do direito fundamental à liberdade de crer e viver a própria crença, liberdade essa que é meio para a própria dignidade religiosa e moral da pessoa.
A Constituição de 1934, em seu artigo 105, caput, praticamente repete o §7°, da Carta de 1891, ressalvando, entretanto, no Parágrafo único, que a manutenção de relações diplomáticas com a Santa Sé não implicava violação daquele dispositivo constitucional. Na Constituição Federal de 1967, também aparece a invocação da proteção de Deus, no diminuto Preâmbulo daquela Carta, nestes termos: “O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte constituição”, sem a supressão da liberdade de crença e religião”.
A religiosidade do povo brasileiro é fato inconteste, sendo testemunhas deste as inúmeras “procissões”, “shows”, “concentrações”, etc., realizados amiúde em todo o território nacional. De outro lado, o valor da proteção de Deus é reconhecido até no ambiente político partidário, exemplo disso é a inserção de autoridades eclesiásticas em Conselhos Políticos Governamentais.
Admitida a possibilidade de que a invocação da proteção de Deus tem conteúdo axiológico, bem como sua integração no “bloco de constitucionalidade” brasileiro, resta perquirir qual a orientação nele contida.
Considerando que, como já se disse, a idéia de princípio está ligada à idéia de fundamento, e, ainda, que a fraternidade, a dignidade da pessoa humana, o respeito à vida, entre outros princípios constitucionais, indicam que o direito à vida transcende a mera existência física, que este abrange outros aspectos, a “proteção de Deus”, invocada no Preâmbulo, deve informar a aplicação e a interpretação do direito, considerando que a existência tem uma finalidade que transcende o mundo material, que não é um fim em si mesma, mas vai além do egoísmo, que não é mera contingência ou acaso, mas que ruma ao desenvolvimento e bem estar de toda a sociedade.
Essa aplicação, de outro lado, não viria em prejuízo da garantia de liberdade de crença ou filosofia, uma vez que não pode haver privação de direitos por este motivo (art. 5°, VIII, CF/88), devendo no caso específico ser respeitado o dispositivo expresso, dentro à orientação principiológica de construir uma sociedade fraterna e pluralista. O conteúdo do Preâmbulo serve à distinção entre poder social (povo) e poder político (Assembléia Nacional Constituinte), estabelecendo entre eles uma hierarquia e afirmando a origem do segundo no primeiro.
O Brasil, ao contrário de afirmações feitas por defensores da laicidade , o Brasil não é um país laico, mas é um país majoritariamente católico apostólico romano, laico é o Estado, não o país, não a nação, não a sociedade brasileira.
A laicidade do Estado não se estende por lei a toda a sociedade. Separação entre Estado e Igreja quer dizer independência, mas não incomunicabilidade e isolamento. Levada ao extremo, referida independência exigiria a supressão de feriados tradicionais de cunho religioso, tais como Sexta–Feira da Paixão , Corpus Christi, Finados, entre outros.
Para chegar à uma correta interpretação do contido no art. 19, I, da Constituição Federal do Brasil , não se pode esquecer que, historicamente, há dois modelos de Estado laico: o dos Estados Unidos da América do Norte e o da França. Entre os países da América Latina estes modelos podem, claramente, ser identificados, o norte-americano no Brasil, e o francês no México.
O modelo francês busca afastar da vida pública qualquer influência religiosa (fechamento de conventos, perseguição a religiosos e proibição de manifestações públicas de fé), tendo gerado diversas e sangrentas perturbações na vida das nações que as adotaram. De outro lado, o modelo norte-americano, que o Brasil adotou, com a laicização do Estado a aprtir da Constituição de 1890, separa religião e Estado, porém, não desconhece as convicções religiosas povo – reconhece que o Estado laico, mas a Nação é religiosa. Entretanto, se a Nação é parte do Estado, este é permeado pela influência da religião . A propósito, escreve, Tocqueville:
“A religião na América, não participa diretamente do governo da sociedade; mas é, contudo, a sua mais alta instituição política. Não sei se todos os americanos têm fé na sua religião, pois quem pode ler nos corações? Mas tenho por certo que o americanos consideram a religião indispensável à mantença das instituições republicanas.”
Decorrência da conjugação do que consta do Preâmbulo, do art. 19, I, da Constituição brasileira, bem como tendo em vista o modelo de laicização do país, tem-se que o princípio da laicidade no Brasil não proíbe a manifestação pública da cultura e da tradição religiosa do povo brasileiro, não se trata de um país ateísta ou anti-religioso, embora não seja confessional. O direito positivo da país, conquanto não obrigue ninguém a ser católico, não pode, por outro lado, revogar a própria história, não se podendo negar o catolicismo como elemento de da nacionalidade é um fato social que não pode ser negado ou esquecido pelo sistema jurídico, em um país que surgiu à sombra da cruz e já foi denominado Terra de Santa Cruz.


4. A DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça, do Brasil, julgou improcedente os pedidos de providências que buscavam a retirada dos crucifixos das salas e prédios do Poder Judiciário o País. A decisão entendeu que o uso dos crucifixos não fere o princípio de laicidade do Estado.

O relator do processo, Conselheiro Paulo Lobo, votou pela realização de consulta popular (via internet), pelo período de dois meses, objetivando aprofundar o debate sobre o tema, tendo o Conselheiro Oscar Argollo aberto divergência, apreciando o mérito da questão, votando pela permissão do uso do símbolo religioso, no que foi acompanhado pelos demais Conselheiros presentes, restando vencido o relator.

Para fundamentar seu voto, Argollo, inicia ressaltando que “ao invocar uma pretensa proteção para algo que é de todos e que não pertence a ninguém em particular é uma articulação falaciosa”. Argumenta que o interesse público em sua essência deve ser dirigido à defesa dos direito individuais predominantes, ainda que estes sejam tratados de forma coletiva.

Reconhece que a cultura e a tradição são fundamentos da evolução social e, inseridas em uma sociedade oferecem as cidadãos a exposição permanente de símbolos representativos, com os quais se convive pacificamente, v.g.: o crucifixo, a estátua, etc. São comportamentos individuais inseridos pela cultura no direito coletivo, mas somente porque a esse conjunto pertence, e porque tais interesses podem ser tratados coletivamente, mas não para serem entendidos como violadores de outros interesses ou direitos individuais, privados e de cunho religioso que a tradição da sociedade respeita e não contesta, pois não se sente agredida ou violada.

Entendeu não haver violação ao art. 19, I, da Constituição Federal, tampouco transformação do Estado em clerical, o fato de expor crucifixo em salas do Poder Judiciário, pois esse fato não ofende o interesse público primário (a sociedade), mas, ao contrário, preserva-o, garantindo interesses individuais culturalmente solidificados e amparados pela ordem constitucional, enraizados nas tradições da própria sociedade.

De outra parte, não há proibição para uso de símbolos religiosos em qualquer ambiente do Poder Judiciário, sendo da tradição do povo brasileiro a ostentação desse símbolo, sem que se observe repúdio da sociedade, o que a consagra como comportamento aceitável.

O costume é fonte e regra de direito, tem por fundamento de seu valor a tradição, não a autoridade do legislador, Costume é uso geral, repetido, permanente, notório, observado por todos, convictos de que corresponde a uma necessidade jurídica.

A exposição do crucifixo em salas do Poder Judiciário corresponde a uma necessidade jurídica, de acordo com as homenagens devidas à Justiça. Demonstra o respeito ao local, é um símbolo que homenageia princípios éticos.

Através de símbolos se busca torna visível uma idéia – é idéia em forma de imagem. Carlos Heitor Cony, autor profano e agnóstico opina que o crucifixo adverte os juízes, em linguagem dramática, que a justiça pode ser falível. O Cristo pregado na cruz ilustra “um dos maiores erros judiciários de todos os tempos” .

Prossegue Argollo, afirmando que o Estado laico tem a noção de liberdade de crença como um comportamento derivado da liberdade de consciência, patrimônio da liberdade interna do indivíduo. Cabe ao Estado defender o indivíduo da coação, mas esta, por igual, não tem direito de se imiscuir nos costumes e tradições moralmente reconhecidos pela sociedade, não se podendo ignorar a manifestação cultural da religião nas tradições brasileiras que, atualmente, não representa qualquer espécie de submissão ao poder clerical.

Finalmente, em resposta a alusões segundo as quais a presença dos crucifixos em dependências de órgãos públicos seria uma apropriação indevida de espaços públicos, por interesses privados, devido a regra de que o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, mas a Administração Pública ó pode fazer o que a lei determina, faz ver que não há norma que determine ou vede a colocação do símbolo religioso. Prevalecendo, assim, o princípio fundamental do interesse público de garantir direitos individuais e ao mesmo tempo coletivos, não procedendo a retirada pleiteada no processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de considerações finais, é possível estabelecer algumas conclusões:
A primeira diz respeito à existência de princípios e dispositivos que, embora não fazendo parte do corpo do texto do ordenamento constitucional, considerado em sentido estrito, têm valor constitucional e integram este ordenamento com o mesmo status que aqueles expressamente referidos na Constituição, dando, assim conteúdo ao “bloco constitucionalidade”.
Conclui-se, em seqüência, que o Preâmbulo da Constituição é parte desta, pois integra o “bloco de constitucionalidade”, sendo que, no caso francês, por remessa expressa, também integram o “bloc” o Preâmbulo da Carta de 1946 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, além de outros princípios que também são objeto de remessa. Sendo o “bloco de constitucionalidade” não uma simples autorização para alargamento de espaços para interpretação constitucional, mas parte da Constituição.
Outra conclusão que se evidencia é a de que, sendo os princípios constitucionais a materialização constitucional dos valores socialmente mais relevantes, sua fundamentação tem conteúdo axiológico, devendo este conteúdo ser considerado quando da aplicação dos princípios e da noção de “bloco de constitucionalidade”.
A invocação da proteção de Deus, inserida no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, é integrante do “bloco de constitucionalidade”, sem afrontar outros princípios constitucionais, tais como a laicidade do Estado brasileiro e a liberdade de crença e posição filosófica.
Também se conclui que o fato de que um Estado seja laico, não implica necessariamente em ser o País laico, sendo que a laicidade não se estende por lei a toda a sociedade.
No caso examinado, a presença de crucifixos em salas do Poder Judiciário não viola o art. 19, I, da Conjstituição Brasileira, uma vez que os símbolos expressam materialmente as idéias, em consonância com os costumes e a tradição social, e aqueles simbolizam a maior injustiça cometida em um julgamento, assim como invoca a proteção de Deus para a distribuição da justiça, o que está em acordo com o Preâmbulo da Constituição Federal.
Por fim, é preciso ter em mente que a noção de liberdade de crença é princípio do Estado laico, cabendo a este defender o indivíduo da coação, mas isto não lhe dá o direito de se imiscuir nos costumes e tradições moralmente reconhecidas pela sociedade, especialmente a manifestação cultural da religião nas tradições brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 1999.
SGORBE, Beatriz. O Conselho Constitucional Francês e a protecção dos Direitos Fundamentais. Working Paper 2/00, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, disponível em www.fd.uni.pt/wps/wp002-00.
TOCQUEVILLE, Alexis de . Democracia na América. São Paulo: Edusp, 1977.

CARTA DE VITÓRIA DO ESPÍRITO SANTO

Manifesto público ao Povo Brasileiro
Pelo presente INSTRUMENTO DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DE COMPROMETIMENTO, os abaixo-assinados, reunidos no Encontro Nacional de Políticos Brasileiros promovido pela Coordenação Nacional do Ministério de Fé e Política da Renovação Carismática Católica do Brasil, realizado nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2010, em Vitória/ES, em consonância com a voz da Mãe Igreja, tornam pública a sua opinião e a sua posição em relação às Políticas Públicas de Direitos Humanos, comprometendo-se em desenvolver todas as ações necessárias no intuito de concretamente envolver-se pessoal, coletiva e institucionalmente para promover: 1) a luta pelo direito à vida, desde a concepção até a morte natural, sendo, portanto, contrários à descriminalização do aborto; 2) a luta pela instituição familiar do matrimônio, sendo, portanto, contrários ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito de adoção de crianças por casais homossexuais; 3) a luta pela manutenção da expressão religiosa cristã nos espaços públicos, rejeitando a criação de mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União, pois tal medida intolerante, ignoraria as raízes históricas da Nação, bem como ignora o fato de que o cristianismo e seus símbolos continuam sendo fonte indispensável de recursos éticos para a formação do cidadão; 4) a luta pela garantia da liberdade de expressão, inclusive sem a tutela da imprensa; 5) a luta pela autonomia e autoridade dos poderes democráticos constituídos (Judiciário, Legislativo e Executivo), garantindo a ordem e a paz social e; 6) a luta pelas garantias jurídicas da propriedade e sua função social. Desta forma, por acreditar que tais situações aqui defendidas encontram-se ameaçadas pelo III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), assinado pelo Presidente da República no dia 21/12/2009, que ‘pretende fazer passar como direito universal a vontade de uma minoria, já que a maioria da população brasileira manifestou explicitamente sua vontade contrária”, reitera-se o compromisso, daqueles que se encontram elencados e firmados neste documento, no fervoroso combate e racional debate contra todas as ações que se opõe aos preceitos acima estabelecidos.
Este manifesto, após ser lido, foi assinado pelos presentes.

DECLARAÇÃO DO VI ENCONTRO NACIONAL DOS MOVIMENTOS EM DEFESA DA VIDA

Declaração dos movimentos sociais que participaram do VI Encontro Nacional dos Movimentos em Defesa da Vida sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)

Os movimentos sociais em Defesa da Vida de todo o Brasil, reunidos entre os dias 12 a 14 de março de 2010, em Brasília-DF, para discutirem a atual conjuntura político-sócio-cultural no tocante à valorização da vida humana, decidiram em assembléia plenária emitir a seguinte declaração sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3):

1. O PNDH-3 é um Programa que fere o direito fundamental de todo cidadão, ou seja, o direito de nascer. Isso acontece porque o PNDH-3 deseja legalizar totalmente o aborto no Brasil. Só por isso o PNDH-3 já deve ser rejeitado.

2. Além disso, o PNDH-3 traz outras ameaças à vida, das quais citamos:
a) Constituição de uma “Comissão da Verdade”, a qual poderá investigar, sem prévia denúncia, a vida privada do cidadão. A implantação dessa comissão representa uma invasão direta do Estado na vida dos cidadãos e, por conseguinte, a limitação e até mesmo o fim da liberdade individual.
b) Proibição da exposição pública de símbolos religiosos. Essa proibição representa uma grave limitação da liberdade religiosa, garantida pela Constituição, e também da liberdade de expressão do indivíduo, desprezando os valores históricos e culturais do país.
c) Limitação à liberdade de imprensa, à propriedade privada e à autonomia do Judiciário.
d) Distorção do conceito de família por meio do reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo, com direito à adoção de crianças.
e) Ataque à proteção da família e à dignidade da pessoa humana por meio da profissionalização da prostituição.

3. Pelo que foi exposto, afirmamos que o PNDH-3 é um Programa autoritário e representa a desconstrução da democracia brasileira em direção ao Estado totalitário, usurpador dos direitos inalienáveis de todos os cidadãos.

4. Afirmamos a total e plena rejeição ao PNDH-3.
5. Solicitamos que o Presidente da República, o Secretário Nacional de Direitos Humanos, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e as demais autoridades competentes revoguem imediatamente o Decreto 7037/2009, que aprova o PNDH-3 e, a partir desse ato, reafirmem, juntamente com a sociedade civil brasileira, políticas de direitos humanos que valorizem a vida e a dignidade da pessoa humana.

Brasília-DF, 14 de março de 2010.

Assinam essa Declaração:

Apostolado da Divina Misericórdia em Defesa da Vida
Associação Casa Mãe
Associação Cultural Brasil pela Vida
Associação de Apoio ao Ser Humano e à Família (ABRACE)
Associação Dia de Paz Vida Plena (ADPVP)
Associação Direito de Nascer
Associação Mulheres Mineiras em Ação
Associação Nacional de Mulheres pela Vida
Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PROVIDAFAMÍLIA)
Associação Nascer é um Direito
Associação Vida Humana
Associação Vida Plena
Centro de Ajuda à Mulher
Comissão de Defesa da Vida (São José dos Campos-SP)
Comissão de Promoção e Defesa da Vida (Rio de Janeiro-RJ)
Comissão em Defesa da Vida (Belém-PA)
Comissão em Defesa da Vida (Guarulhos-SP)
Comissão em Defesa da Vida (Santo André-SP)
Comissão em Defesa da Vida (São Bento do Sapucaí-SP)
Comissão Regional em Defesa da Vida (Regional Sul 1 da CNBB)
Comunhão e Libertação
Comunidade Família de Nazaré
Federação dos Movimentos de Defesa da Vida (FEMOV)
Fórum de Defesa da Vida
Frente Nacional de Defesa da Vida
Grupo Pró-Vida do Seminário Maior de Brasília
Instituto Eu Defendo
Movimento de Cidadania de Defesa da Vida
Movimento Legislação e Vida
Movimento Nacional Brasil sem Aborto
Pró-Vida de Anápolis
Rede Nacional em Defesa da Vida
União Nacional para a Promoção e Defesa da Família (PRODEF)

terça-feira, 16 de março de 2010

MENTALIDADE TOTALITÁRIA

É de estarrecer a reação do presidente Lula à greve de fome do jornalista e psicólogo Guillermo Fariñas, que protesta, pondo sua vida em risco, contra as condições carcerárias de opositores políticos da ditadura castrista. Considerou-o, somente, um "criminoso comum", que não segue a Justiça do seu país. Suas palavras foram: "Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade." Não há nenhum mal-entendido aqui. Um opositor foi simplesmente considerado criminoso comum ao empreender uma greve de fome, de caráter eminentemente político, contra um regime totalitário.

As fotos de Lula em companhia dos irmãos Castro, simultaneamente à morte de um prisioneiro de consciência, que sucumbiu à greve de fome, à tortura e às péssimas condições carcerárias, são de revoltar qualquer pessoa com um mínimo de escrúpulo moral. Foram uma imoralidade, algo que mancha de forma permanente não só a figura de Lula, como a diplo-MÁ-cia brasileira. Trata-se, de fato, de uma maldade. Uma comemoração pérfida, um ritual fúnebre, mascarado da cordialidade de velhos amigos. O sangue poderia ter igualmente corrido da boca deles.

Amigos, dizia Aristóteles, são pessoas que compartilham determinadas noções de bem, possuem valores comuns. No caso em questão, os valores compartilhados são os do totalitarismo, de pessoas que se regozijam com o infortúnio alheio. Sorriem, com escárnio, de uma espécie de assassinato, como de tantos outros que fazem parte da história da ditadura castrista. Os irmãos ditadores tiveram ainda o pejo de proclamar que nunca mataram nem torturaram! Falta-lhes vergonha na cara. Não é de surpreender, pois a mentira faz parte dos regimes totalitários, do seu modo mesmo de governar.

As declarações do presidente Lula não foram deslizes como tantos outros que têm povoado seus dois mandatos. Elas expressam uma mentalidade totalitária. Uma longa prática de Stalin e dos comunistas em geral foi considerar seus adversários criminosos comuns, inimigos que deveriam ser simplesmente abatidos. Deveriam ser submetidos à tortura, à arbitrariedade das penas, a períodos intermináveis de encarceramento, tendo como desfecho a morte dos que não queriam aceitar o novo regime, apresentado como socialmente superior, como o da redenção dos povos. Foram assassinados em nome da nova "humanidade", a dos ditadores esquerdistas. O PT e o atual governo jamais condenaram a ditadura castrista. São só sorrisos e elogios. Fariñas, com propriedade, disse que Lula se havia tornado cúmplice da morte de Zapata; logo, de uma eventual sua e, pior ainda, da violência castrista.

Nessa história de horror, causa estupefação também o fato de o presidente não ter interferido, quando ainda era tempo, para evitar a morte de Zapata e, agora, ajudar para que os presos políticos cubanos possam ser liberados. Abandonou Fariñas à própria sorte, como se fosse um prisioneiro comum. A questão, porém, reside em que Lula, no dizer de Barack Obama, é o "cara", aquele que poderia fazer a diferença. Uma palavra sua seria decisiva. Poderia fazer uma declaração pública contra as condições carcerárias da ilha, contra as violações dos direitos humanos. Poderia interromper o financiamento de empreendimentos na ilha feitos com recursos brasileiros. Nada fazendo, os ditadores continuam gozando da impunidade e de sorrisos complacentes.
O episódio de conivência com a ditadura castrista, de desrespeito evidente aos direitos humanos, permite lançar luz sobre o que este governo e o PT pensam sobre esse tema. Recentemente, tivemos o PNDH-3, lançado com grande alarde, como se se tratasse de um plano inovador que permitiria ao País fazer as pazes com o seu passado e balizar o caminho de uma política "progressista". Agora, fica mais claro o que significa reatar com o passado e formular uma política progressista.

Reatar com o passado significa reatar com o stalinismo, com as piores tradições da esquerda. Resistentes de uma anacrônica ditadura comunista se tornam "criminosos comuns", que não obedecem às leis de seu país, independentemente da natureza dessas leis, por mais despóticas que sejam. Reatar com o passado significa ser cúmplice de violações sistemáticas dos direitos humanos, salvo se direitos humanos significarem o direito à tirania comunista. Já passou da hora de o PT fazer uma revisão doutrinária, de acordo com a tradição social-democrata. O resto é palavreado totalitário disfarçado.

Política progressista quer dizer, por sua vez, instauração de práticas liberticidas, em que as vozes contestatórias não se façam ouvir. Silenciar as oposições, calar a imprensa livre, coibir os meios de comunicação, impedir manifestações públicas tornam-se propostas travestidas de um suposto "progressismo". Veja-se, por exemplo, como o liberticida Hugo Chávez é avaliado. Lideranças petistas, sobretudo da área de Relações Exteriores, o Palácio do Planalto e, em especial, sua Assessoria para Assuntos Internacionais, juntamente com o Itamaraty, têm-se esmerado em elogios ao "socialismo bolivariano" e a seu líder máximo, considerando a abolição das liberdades democráticas como a realização mesma da democracia. Emissoras de televisão e de rádio são fechadas e nosso governo considera essa prática democrática. Jornais são ameaçados e nossas autoridades consideram que a normalidade democrática está sendo preservada.

Os opositores cubanos Zapata e Fariñas são homens comuns. Um branco, outro negro. Um pedreiro, outro jornalista e psicólogo. Filhos da revolução. Onde estão os nossos representantes dos direitos humanos? Direitos humanos em países comunistas não precisam ser defendidos? Por quê? Porque os adversários do comunismo/socialismo não são humanos e devem ser suprimidos? Onde estão as entidades de psicólogos, jornalistas e de trabalhadores da construção civil? Onde estão os sindicatos? Onde estão os formuladores do PNDH-3? A hipocrisia parece não ter limites!


Dr. Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS.
denisrosenfield@terra.com.br

Publicado em O Estado de São Paulo
em 15/03/2010

A IDEOLOGIA INUMANA E TOTALITÁRIA DO PNDH3

Nas vésperas do Natal de 2009, o Presidente Lula apresentou seu 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH 3), causando assombro e perplexidade entre vários setores da sociedade brasileira, primeiramente pela astúcia, ousadia e até temeridade com que o Governo – através de um decreto (nº 7037) – não pôde mais ocultar a que ideologia está comprometido, e a disposição de impor sua “desconstrução” cultural, visando minar conceitos e valores edificados ao longo de séculos para proteger e promover o ser humano como pessoa, sujeito de direitos e deveres.

Num contexto de crise gnosiológica, crise dos conceitos, que atinge “a estrutura ontológica da pessoa”1, nos encontramos novamente (como em tantas outras encruzilhadas da história) chamados a se posicionar e a defender a vida humana de tantos ataques, daí a necessidade de fazer revigorar as forças vivas da nação brasileira (num movimento ético, pátrio e cívico) para evitar a imposição de uma nova ditadura, de perfil orwelliano, que começa por querer impor condicionantes que asfixiam a liberdade, sem a qual não há como a pessoa realizar-se como ser humano. O combate pela vida se torna inevitável (a Campanha da Fraternidade deste ano é categórica: não há como servir a dois senhores). Resta saber de que lado estamos (indagava João Paulo II em seu último livro “Memória e Identidade”).

Agrilhoada por falsas necessidades e por equívocos e seduções imediatistas e corrosivas, a liberdade requer ser libertada daquilo que a ameaça, pois sem liberdade não há pessoa, e sem pessoa a vida humana perde o seu valor, o seu sentido e a sua dignidade. Por isso que a defesa da vida protagoniza hoje um movimento com o senso da história, porque, a exemplo de tantos outros grandes desafios do passado, somos chamados a fazer história, mesmo estando – de novo – na contramão do status quo, que se volta contra a própria natureza humana.

O filme já visto atesta o que já ficou comprovado pela história: no conflito entre natureza e cultura, ganha a natureza; no conflito entre família e Estado, ganha a família. A opinião pública, vulnerável a sofisticadas formas de manipulação e camuflagens da linguagem (com o abuso de eufemismos), torna-se refém de estranhas ideologias, que utilizam-se da retórica para impressionar, e até tenta impactar, mas como toda opinião é doxa e não episteme, decorre daí erros hermenêuticos de gravíssimas conseqüências: direitos humanos se transformam em palavra-de-ordem para justificar uma nova mentalidade e ordem mundial, inteiramente amoral e inumana, em que a pessoa deixa de ser sujeito para se tornar objeto, destituída de humanidade, sem proteção e promoção, anulada em sua identidade e vítima de reducionismos aviltantes, em graus diferenciados de manipulação, a pior de todas as violências.

Na própria apresentação do Plano Nacional de Direitos Humanos, o Presidente Lula diz que o PNDH3 é uma “opção definitiva”, e um roteiro consistente e seguro, erguido “como bandeira” e apresentado “como verdadeira política de Estado”, por suas diretrizes e objetivos estratégicos expostos – cabe ressaltar que eles não estão de brincadeira e irão fazer de tudo para enfiar goela abaixo esse pacote totalitário, com roupagem de democracia (de um totalitarismo invisível, que interessa à lógica da sociedade de consumo e que o Governo age apenas como títere de forças econômicas externas, daí o servilismo abjeto ao globalismo de Brzezinski, sob a égide da ONU, visando mais do que um controle físico, mas a anulação da pessoa humana, com a própria espoliação da alma, cujo “objetivo é a mudança na mentalidade e na forma de agir de todos os seres humanos, cujo fundamento é uma nova moral radicalmente egocêntrica, egocentrípeta e hedonista”2. Daí sentencia categoricamente contra o nascituro, excluindo o direito à vida ao ser humano concebido e em sua fase nascente, como determina na diretriz 9, objetivo estratégico III, ação programática g): “apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”. Trata-se de um poder que “se tornou cada vez mais abstrato, a censura cedeu lugar ao controle e se infiltrou na sociedade de consumo, em uma nova fase de um capitalismo de serviços, pós-industrial”.3

É a ideologia da “sociedade igualitária” e libertária, ancorada no feminismo radical, no fundamentalismo ambiental e cientificista, no ateísmo militante, no anarquismo político, e em perversões biotecnológicas, passando por cima dos limites antropológicos. É uma revolta metafísica, que começou com o deicídio em 1793, e agora atinge a sacralidade da vida humana, por inteiro, desde a sua concepção.

Os “novos direitos” e as novas demandas do ideário igualitário exposto no PNDH3 intensifica a obsessão por uma libertação (que provocou profundas dissenções no seio da Igreja Católica), que extrapola o campo social e político, pois deseja a transgressão da própria condição biológica do ser humano, e não aceita a natureza da identidade sexual, daí o afã de romper o que chamam de estereótipos, no direito de se libertar da própria identidade, invertendo papéis, para recriar o design do próprio corpo e chegar ao “corpo utópico”, em obsessão hedonista. Todos “sabem muito bem que isso se trata de um jogo: ou as regras são transgredidas ou há um acordo, explícito ou tácito, que define certas fronteiras. Este jogo é muito interessante enquanto fonte de prazer físico”.4

A ideologia dos Direitos Humanos explícita no PNDH3 é repressiva, daquela “repressão do poder tolerante, que, de todas as repressões, é a mais atroz”,5 pois “a suposta tolerância sexual na sociedade de consumo também faz do sexo a metáfora do poder para aqueles que são subordinados a ele. É a comercialização (ou alienação) do homem, a redução do corpo a coisa através da exploração.”6

Com a política de Estado do PNDH3, o Governo Lula rechaça valores civilizacionais das instituições públicas de todo o País, de modo soberbo, e impondo de vez a mentalidade consumista e conformista, em nome do direito das minorias, que passam agora a ser o direito de todos, sem direito a discordâncias, pois os questionamentos serão considerados como “violações dos Direitos Humanos”, com sanções, privações de benefícios, e uma justiça ágil e eficiente para viabilizar execuções sumárias contra os que não concordarem com o Plano estabelecido.

O PNDH3 deseja abarcar “todas as áreas da administração” e “fato inédito de ele ser proposto por 31 ministérios”, “estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos

estratégicos e 521 ações programáticas”, feito para ser não uma política de governo, mas a política do Estado brasileiro, para perdurar pelas gerações futuras. Esta é a ambição absolutista do lulismo, inoculado de anarquismo e perversão, de um poder satânico, cujos tentáculos começam a emergir, descaradamente, feito o polvo de Lautrèamont.

Tal ideologia é sustentada por organizações que “desfrutam de um retorno financeiro garantido e que se tornaram, no campo da sexualidade humana, uma fonte de lucro e um veículo da secularização planificada”7, e que o Estado favorece quando capitulado diante de tão vis interesses, que em nada dignificam, mas degradam a pessoa humana. “A pornografia, a droga, a prostituição, a contracepção e o aborto são indústrias organizadas, cujo capital é posto a serviço de uma ideologia, que é contra a vida humana, a família e, frequentemente, contra a Igreja Católica. Os objetivos de tais indústrias são a destruição da família e a secularização, para alcançar os meios pelos quais se toleram alguma forma de depravação e violência sexual em relação às crianças. Estas forças operam secretamente no espírito da era pós-moderna. Publicamente, ao invés, o comportamento destas estruturas (mídia, organizações, resoluções tomadas em conseqüência de conferências nacionais e internacionais) é de forte recusa em relação a violência sexual contra as crianças, todavia, não é por acaso que este fenômeno, nas suas formas de depravação, está em contínuo aumento”.8

Monitoramento, controle, avaliação, acompanhamento, coleta de dados, sistematizações, recomendações em todas as instâncias (federal, estadual e municipal), instituindo parâmetros nacionais que orientem seu funcionamento, condicionando financiamentos, estruturando redes de canais de denúncias, criando observatórios, elaborando “relatórios periódicos para os órgãos de tratados da ONU, no prazo por eles estabelecidos”, informativos em linguagem acessível, flexibilizando critérios normativos do Judiciário, enfraquecendo prerrogativas da legítima defesa, entre outras tantas ações; tudo isso e muito mais fazem do Plano Nacional de Direitos Humanos um prelúdio sombrio de um tempo difícil, de perseguição religiosa e política, em que toda a máquina do Estado, especialmente no campo da Educação e dos meios de comunicação, estarão a serviço de uma ideologia já testada e reprovada pela história.

Prof. Hermes Rodrigues Nery é Coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté, Secretário-Geral do Movimento Nacional Brasil Sem Aborto e Vereador, Presidente da Câmara Municipal de São Bento do Sapucaí (SP).


Bibliografia:

1. Paulo César da Silva, A Ética Personalista de Karol Wojtila, Editora Santuário / Unisal – Cnetro Universitário Salesiano de São Paulo, 2001, p. 42.

2. Jorge Scala, IPPF (Federação Internacional de Planejamento Familiar) – A Multinacional da Morte, Múltipla Gráfica e Editora (Anápolis), 2004, p. 41

3. Pasolini: http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2009/02/pasolini-e-o-sexo-como-metafora-do.html)

4. Sexo, poder e a política da identidade – entrevista com Michel Foucault (http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/sexo.pdf)

5. (Pasolini: http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2009/02/pasolini-e-o-sexo-como-metafora-do.html)

6. (Pasolini: http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2009/02/pasolini-e-o-sexo-como-metafora-do.html)

7. Dorotas Kornas-Biela, Direitos da criança, violência e exploração sexual, Léxicon, termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Pontifício Conselho para a Família, Edições CNBB, 2007, p. 209.

8. Dorotas Kornas-Biela, Direitos da criança, violência e exploração sexual, Léxicon, termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Pontifício Conselho para a Família, Edições CNBB, 2007, p. 209-210.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Brasil: programa de direitos humanos é "cartilha de estilo radical-socialista"

Brasil: programa de direitos humanos é “cartilha de estilo radical-socialista”

Pessoa é “engrenagem do estado e totalmente dependente de sua ideologia”, diz bispo

PETRÓPOLIS, quinta-feira, 11 de março de 2010 (ZENIT.org).- O bispo de Petrópolis (sudeste do Brasil), Dom Filippo Santoro, considera que o PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos) do governo brasileiro traz “uma visão reduzida da pessoa humana”.

O programa, recentemente lançado pelo governo, “suscita graves preocupações não apenas pela questão do aborto, do casamento de homossexuais, das adoções de crianças por casais do mesmo sexo, pela proibição de símbolos religiosos nos lugares públicos, pela transformação do ensino religioso a história das religiões, pelo controle da imprensa, a lei da anistia, etc, mas, sobretudo por uma visão reduzida da pessoa humana”.

A questão em jogo – afirma o bispo em artigo divulgado nessa terça-feira –, “é sobretudo antropológica: que tipo de pessoa e de sociedade são propostos para o nosso País”.

“No programa se apresenta uma antropologia reduzida que sufoca o horizonte da vida humana limitando-o ao puro campo social”, afirma.

Segundo Dom Filippo Santoro, dimensões “essenciais são negadas ou ignoradas: como a dignidade transcendente da pessoa humana e a sua liberdade; o valor da vida, da família e o significado pleno da educação e da convivência”.

“A pessoa e os grupos sociais são vistos como uma engrenagem do estado e totalmente dependentes de sua ideologia”, sublinha.

Dom Filippo considera que os aspectos positivos, “que também existem, e que constituíram as grandes batalhas da CNBB ao longo destes anos, são englobados dentro de um sistema ideológico habilmente plantado por uma minoria que não respeita a visão da vida da grande maioria do povo brasileiro”.

Na 3º edição do PNDH, “estamos diante de uma cartilha de estilo radical-socialista, que está sendo implantada na Venezuela, Equador e Bolívia e que tem em Cuba o seu ponto de referência. Trata-se de um projeto reduzido de humanidade destinado a mudar profundamente a nossa sociedade”.

“Vida, família, educação, liberdade de consciência, de religião e de culto não podem ser definidos pelo poder do Estado ou de uma minoria. O Estado reconhece e estrutura estes valores que dizem respeito à dignidade última da pessoa humana que é relação com o infinito e que nunca pode ser usada como meio, mas é um fim em si mesma. A fonte dos direitos humanos é a pessoa e não o Estado e os poderes públicos”, explica o bispo.

O programa do Governo “é um claro ato de autoritarismo que enquadra os direitos humanos num projeto ideológico, intolerante, que fez retroceder o País aos tempos de ditadura”, considera.

Segundo o bispo de Petrópolis, “somos todos interpelados diante deste projeto que tenta desmontar a estrutura da sociedade destruindo o valor da pessoa, da vida, da família e das livres agregações sociais”.

Fonte: http://www.zenit.org/article-24323?l=portuguese - ZP10031108 - 11-03-2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

UMA "COMISSÃO DA VERDADE" PARA CELSO DANIEL?

Há oito anos, no dia 20 de janeiro, Celso Daniel foi encontrado morto, assassinado com diversos tiros depois de ter sido sequestrado e torturado. Decorrido tanto tempo, até hoje não foram julgados nem os executores e nem mandantes deste crime. Também não foram devidamente esclarecidas outras inúmeras mortes relacionadas a ele.

Hoje, no aniversário de sua morte, num contexto em que muito se discute em nosso país o Programa de Direitos Humanos, mais uma vez vimos a público dizer que o desvendamento do assassinato de Celso é também uma questão de direitos humanos.

Acreditamos que um país que através de seu governo e de suas instituições não se mostra capaz de impedir mortes como a de Celso, de Toninho do PT e de tantos outros, e incapaz de desvendá-las, de julgar e punir seus verdadeiros assassinos, tem um longo caminho a percorrer antes de se arvorar um país dos direitos humanos.

Esta situação se mostra ainda mais grave quando consideramos que, como consequência do assassinato de Celso e de nossa luta por seu esclarecimento, nos encontramos exilados com refúgio estatutário outorgado pelo Estado francês, privados de gozar de segurança em nosso próprio país, eliminando nossos projetos políticos e pessoais, nossas relações afetivas, nossos pertencimentos cotidianos, nossas práticas culturais, levando a uma fratura incurável entre nossa vida, nossos trabalhos e nosso lar.

Não há como mais uma vez não perguntar: por que tanta demora? O que se esconde por trás dela?

É necessário responder também a outras questões a elas relacionadas:

- Por que a autoridade policial (o DHPP), responsável pelo inquérito desse assassinato cometeu tantos erros, apontados por nós e pelo Ministério Público?

- Por que tantos outros assassinatos que aconteceram depois daquele do Celso já foram levados a júri popular, inclusive com condenações dos culpados?

- Quais expedientes são utilizados pela defesa dos assassinos para prolongar nossa agonia? Como evitá-los sem cercear a possibilidade da defesa?

- Por que reformas institucionais como as ligadas ao Poder Judiciário, ao sistema penitenciário (onde uma das peças-chave do crime foi assassinada na presença de sua advogada), ao aparato policial, que de modo geral não goza de independência para apurar crimes ligados aos poderes políticos e econômicos não acontecem em nosso país?

- Por que o Congresso e os partidos não enfrentam a questão do financiamento de campanhas eleitorais, fonte de tantas ilegalidades nas relações entre setores público e privado?

- Por que até hoje não há legislação que coloque todos os cidadãos em condição de igualdade, sem os foros privilegiados que contribuem para a impunidade em nosso país, por exemplo, de parlamentares? Por que governos e partidos ditos democráticos não colocam em suas agendas esse debate?

- Por que Sérgio Gomes da Silva, depois de preso, recebeu habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de não representar perigo para a sociedade, depois de ser indiciado pelo Ministério Publico como mandante do assassinato de Celso?

Diante disso tudo, mais uma vez vimos a público demandar a instalação de júri popular para o julgamento do mandante já indiciado, o empresário Sergio Gomes da Silva, e dos executores do assassinato do Celso, como uma questão de direitos humanos e que afeta diretamente o aprofundamento da democracia em nosso país.

França, 20 de janeiro de 2010

Bruno José Daniel Filho, irmão de Celso Daniel, exilado na França

Marilena Nakano, cunhada de Celso Daniel, exilada na França

Publicação: O Estado de S. Paulo, 20.1.2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

NÃO HÁ POR QUE SE DECEPCIONAR

Pessoalmente jamais me decepcionei com o governo Lulla. Aliás, tendo a manifestar uma certa irritação quando ouço alguém dizer que está decepcionado porque surgiu mais alguma peça do rosário de escândalos, ou porque os mais notórios coronelões da velha política nele estão abrigados, ou porque o falastrão-mór deu mais algum dos seus espetáculos grotescos ou, ainda, porque, apesar de ser um grande líder, mais uma vez não sabia de nada. Acho até que já passei dos limites sugerindo a uns e outros que leiam o artigo que escrevi logo após a primeira eleição da figura, em que me autodenominava “o chato da festa”.

Agora, novamente, uma porção de gente se mostra perplexa com o descaramento embutido no tal Plano Nacional de Direitos Humanos, onde, atrás de um linguajar que chega a ser nauseante, se propõe o atropelo de todo o ordenamento político e jurídico e uma espécie de sovietização jeca do Brasil. Tanto os idiotas por inocência como os idiotas por conveniência, outra vez, estão decepcionados. Que coisa!

Se nomearmos um cafetão para comandar uma paróquia, não há por que estranhar nada do que virá a acontecer na sacristia e no presbitério. É muito provável que ele mantenha as aparências do local e as suas rotinas básicas, para que os paroquianos não fiquem logo indignados; distribua bênçãos com grande generosidade; seja extraordinariamente brando nas penitências; faça homílias um tanto exóticas, consideradas mais próximas da “linguagem do povo”. O cavalheiro poderá usar batina, citar os evangelhos e até participar das procissões. Terá especial gosto em recolher as oferendas, mas dificilmente escapará à natureza dos seus verdadeiros dotes e valores. Recomendo às donzelas não irem ao confessionário. A paróquia poderá parecer bem, principalmente se o sacristão for zeloso, mas caminhará inexoravelmente para novos rumos, pouco a pouco, dependendo da credulidade dos fiéis.

Quando se coloca no comando de uma democracia representativa gente que não tem fé na coisa, não há por que estranhar que, passo a passo, os rumos sejam alterados. As razões alegadas para fazê-lo sempre serão sublimes, voltadas para um modelo supostamente mais puro, dentro da conhecida técnica de contrapor as maravilhas pretendidas às imperfeições da realidade.

A natureza profunda do PT é totalitária. Da mesma forma os círculos intelectuais que o rodeiam, a maior parte da velha guarda que o formou, os “movimentos” com que interage e assim por diante. Não há que estranhar o fato de que cumpram os rituais do Estado de Direito, tanto quanto possível nas aparências, mas procurem ser criativos na maneira de mudar os fundamentos do processo político. Eles não têm fé em democracia representativa; têm predileção pelos métodos cooptativos e bolcheviques a que dão o nome de “democracia participativa” e são, na melhor das hipóteses, devotos de Rousseau, aquele “intelectual orgânico” que escrevia sobre educação enquanto seus filhos mofavam e morriam num orfanato. Nesse ponto, o nosso apedeuta é bem superior: não escreve nada, alega que também não lê (nem o que assina), mas seu filho, corado e rechonchudo, se torna um fenômeno do mundo dos negócios.

Por trás daquele linguajar horroroso, ligeiramente parecido com a língua portuguesa, o que o dito Plano de Direitos Humanos do governo Lulla propõe é, antes de tudo, preparar o terreno para o governo Dilma (que Deus nos proteja) com uma reforma constitucional total, não via Parlamento, mas pela deformação da linguagem, dos conceitos e a implantação de métodos “populares”. Diriam alguns que é a nossa cópia do roteiro chavista, mas, na verdade, assim como no caso do paraquedista venezuelano, trata-se apenas de uma versão B da conhecida ascensão totalitária vista e revista no século passado.

Bons articulistas, como Reinaldo Azevedo, Percival Puggina, Ricardo Vélez e outros já esmiuçaram as maravilhas do texto, portanto não há muito o que acrescentar:
- Para o Legislativo é proposta, definitivamente, a irrelevância. Já não basta comprá-lo em lotes;
- O Judiciário ficaria obscurecido pelas comissões populares. Já não basta praticar, nos tribunais, o “direito achado nas ruas”;
- As garantias da propriedade, particularmente as rurais, passariam a ser mais frágeis do que no “estado de natureza” hobbesiano. Dependeriam, praticamente, de não haver quem queira tomá-la. Se houver quem queira, vamos discutir o assunto.
- A imprensa e outros meios de comunicação passariam a ser controlados e patrulhados. Já não bastam os petralhas e filopetralhas que poluem todas as redações, nem se trata, simplesmente, de instalar a censura, como tem sido dito. É muito mais do que isso. Durante os governos militares houve censura extensa: começaram vedando as notícias que diziam respeito à luta armada e acabaram se metendo até em letra de samba, mas nunca houve efetivo “controle”. Na proposta lulo-petista até a linguagem seria patrulhada, através de um conjunto de gratificações e punições. Um herege como Diogo Mainardi, por exemplo, seria banido no primeiro artigo publicado, por crimes verbais de lesa-humanidade.

Há quem se tranquilize alegando que, escritas ou não, essas coisas jamais serão praticadas. Será? Nem é preciso, basta a insegurança que geram para fazer um enorme estrago.

Apesar de já ter ocorrido um recuo tático, o que mais claramente retrata a mentalidade que preside a estrovenga é a insistência em tentar abolir unilateralmente a anistia concedida em 1979, que as esquerdas quiseram “ampla, geral e irrestrita” porque, à época, era duvidosa a concessão do benefício aos enquadrados em crimes de sangue. Cultivam um ódio irrevogável e um revanchismo persistente depois da surra sofrida há 40 anos atrás. É como se, num conflito bélico, um dos lados, encurralado, levantasse a bandeira branca. Feita a trégua e negociada a paz, muito tempo depois, bem armados e em posição favorável, decidissem que o acordo não valeu, que foram anistiados, mas não anistiaram e, portanto, devem punir os antigos oponentes. Já não bastam as indenizações milionárias obtidas com os mais tortuosos argumentos; é preciso obter vingança até dos que abriram mão dela no passado e reescrever a história. Para isso, não se pejam, sequer, da ridícula denominação “orwelliana”, revivendo o Ministério da Verdade da célebre utopia “1984”. Faz parte do prestígio que os nossos bolcheviques tardios pretendem ter em certos círculos internacionais, como os que protegem humanistas do tipo do assassino italiano que Lulla ainda mantém, esperando a poeira baixar ou uma oportunidade para ele “fugir”.
Uma pena que nesse governo ninguém leia, mas todo mundo assine, tanto o grande estadista como a Maga Patalójika, que quer ser presidente da república.

João de Oliveira Nemo
Sóciólo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial

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