sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

OS DIREITOS HUMANOS

O Decreto Presidencial 7.037, com o “Programa Nacional de Direitos Humanos”, foi lançado no dia 22 de dezembro de 2009, antevéspera do Natal. Pelo título, todos pensavam pacificamente tratar-se de um consistente programa de defesa dos direitos humanos, sempre tão vilipendiados. Mas quando os meios de comunicação começaram a apresentar seu conteúdo, surgiu uma onda de protestos da sociedade civil. As reações, aliás muito veementes e justas, vieram de todos os lados e de todos os setores da sociedade. Deve-se, pois, reconhecer que há algo gravemente errado neste decreto. O presidente Lula, que o assinou, ao ver a reação, com muita clarividência, tentou eximir-se da culpa e remediar falhas.

Os defensores do decreto alegam que apenas se trata de uma terceira edição do “Plano Nacional de Direitos Humanos”. A primeira, no governo Fernando Henrique, em 1996, enfatizava os direitos civis e políticos. A segunda, em 2002, incorporava os direitos econômicos, culturais e ambientais. A terceira, agora assinada pelo governo Lula, sob a bandeira dos “direitos humanos” invade todos os setores da sociedade. Os defensores alegam que não há discrepância com as edições anteriores e, além disso, que as propostas estão de acordo com as discussões que dominam o mundo de hoje. Por que então esta veemente ração da opinião pública?

Não se quer negar a boa vontade dos que elaboraram e defendem o controvertido decreto. Não se pode, porém, supor que os que o atacam estejam agindo de má-fé ou que não tenham entendido o documento ou que sejam obtusos. Se reagiram, é sinal de que acreditam que algo de ruim pode acontecer a partir dele. Outros não reagiram, não porque o aceitam, mas porque o julgam semelhante ao PAC que, apesar do alarde, não sai do papel senão em 33%. O fato é que existe algo errado no Decreto 7.037, que é preciso reconhecer e corrigir. Limito-me aqui ao embate público, surgido após seu lançamento, deixando para outra ocasião a discussão de seu conteúdo.

Sabemos que o ser humano só é entendido dentro de seu contexto: é homem com suas circunstâncias. O paradigma de interpretação da sociedade mudou profundamente nestes últimos tempos. Dez anos atrás, falava-se exaustivamente em globalização, como uma espécie de rolo compressor a nivelar tudo. De dois anos para cá, porém, este paradigma foi abandonado. Entrou um novo, que enfatiza a identidade e, consequentemente, o particular. Valorizam-se e se defendem as tradições locais, a família, os valores da localidade.

Ora o decreto presidencial continua vazado em termos de globalização. É, pois, óbvio, que, pela própria evolução, esteja defasado e produza reações. Sobrepõem-se aos valores tipicamente brasileiros e locais para entrar numa globalidade que não nos diz respeito.

Todos conhecem a diferença entre homem nu e homem despido. Aparentemente são iguais na nudez. Mas se alguém for forçado a se despir, fica extremamente constrangido e esboça uma vigorosa reação. O fato, pois, de alguns estarem desprovidos de certos valores culturais e religiosos, não os credencia a despojar os demais e a própria sociedade brasileira, dos valores que conseguiu amealhar ao longo dos tempos. Lembremos, a título de exemplo, a “revolução cultural chinesa”. O ditador Mao achou por bem “libertar” seu povo de todos os valores culturais, acumulados ao longo de três milênios de civilização. Hoje todos reconhecem ter tratado-se de uma revolução “anticultural”.

Dom Dadeus Grings
Arcebispo de Porto Alegre-RS

Notícia da edição impressa do JC de 04/02/2010

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